O campineiro que mais sofreu com a crise hídrica de 2014 e 2015 foi o Seo Rubens Godoy, fundador e presidente da Associação de Remo de Sousas. Ele era o “guardião do rio Atibaia”, tal a dedicação, de muitos anos, ao principal manancial de água da região. Na manhã desta terça-feira, 5 de janeiro de 2016, com o rio Atibaia cheio após as chuvas intensas de dezembro, Campinas se despediu do barbeiro-remador, falecido no dia anterior, aos 84 anos. Uma história de amor à natureza.
Há muitos anos Seo Rubens Godoy tinha uma barbearia no distrito de Sousas. Muito antes disso, na década de 1950, ele serviu ao Exército, em Campinas mesmo, por dois anos. Não era a sua vocação, assim como também não era jogar futebol. “Sempre fui muito ruim”, confessou o torcedor do Corinthians na última conversa com o repórter, no auge da crise hídrica, em setembro de 2014. Ele confessou que já preferia, desde menino, o remo à bola de capotão.
Contou, então, que começou a remar na Lagoa do Taquaral, no começo ainda dos anos 1940. “Era uma lagoa mesmo, com taboa e tudo. Comecei a remar com o meu tio, que tinha um barco lá”, relatou. Outra profissão surgiu em seguida: foi toureiro de circo. Se apresentou em várias cidades, na realidade como palhaço do circo que, às vezes, se aventurava em encarar o bicho e segurá-lo pelos chifres.
Mas não seguiu o perigoso ofício e aos poucos assumiu a profissão do pai, que tinha uma barbearia na rua José Paulino, centro de Campinas. A vida mudou quando se mudou para Sousas, por volta de 1957. “Dava para atravessar a rua de olho fechado naquela época”, recordou o Seo Rubens, que tinha o estabelecimento funcionando na rua Coronel Alfredo Augusto do Nascimento , hoje a mais movimentada do distrito.
Após remar durante anos no Clube Regatas, Rubão, apelido que ganhou dos amigos, criou no final da década de 1990 a Associação de Remo de Sousas. A Associação tornou-se parceira da Jaguatibaia na organização do Reviva o Rio Atibaia, ação lançada em 1997, com apoio da Merck Sharp & Dohme (Laboratório MSD).
Seo Rubens estava, claro, muito triste com a situação do rio Atibaia. “É São Pedro mesmo. Eu ligo para ele e ele não atende”, brincou, ao “explicar” a crise hídrica. Ele citou alguns fatos que, na sua opinião, contribuíram para agravar a situação do querido Atibaia, um dos formadores do rio Piracicaba. “Quando fizeram o Cantareira eu já dizia que ia faltar água para nós um dia”, lembrou o remador, em referência ao Sistema Cantareira, que viabiliza o abastecimento de metade da Grande São Paulo com águas da bacia do Piracicaba. “Também teve muita poluição e desmatamento”, completou.
Mas ele mantinha a esperança de recuperação do rio amado, mesmo com o cenário nada animador de 2014 e maior parte de 2015. O Seo Rubens continuava firme, na barbearia, nas piadas, nas conversas com os amigos, na fé que o Atibaia um dia voltasse a ser o “lugar saudável” da língua indígena. O Atibaia agora espera que novos corações, mãos e mentes continuem a luta do grande guardião das águas. (Por José Pedro Martins)