Com um brilhante vestidinho azul, Ana Clara, 4 anos, era conduzida pela tia, Amanda, nos passos envolventes e convidativos à dança. Assim a magia do Maracatu, o ritmo nascido em Pernambuco da miscigenação e da resistência da população afro-brasileira, era perpetuada em uma ensolarada manhã de domingo, 7 de fevereiro, na oficina promovida no âmbito do multicultural Carnaval 2016 do SESC-Campinas. Até a terça-feira, dia 9, serão vários shows, oficinas e outras iniciativas, apresentando e valorizando a pluralidade da cultura brasileira. Hoje foi a vez do Maracatu, com oficina de manhã e cortejo à tarde com o Grupo Cangarussu, de São Paulo.
Pedro Ogata foi o coordenador da oficina, animada ainda por vários percussionistas e dançarinos do Cangarussu, um grupo nascido na Lapa paulistana e que tem bebido na fonte das diferentes vertentes de matriz afro-latina. O grupo já tem sete anos e há quatro abre a comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra, em São Paulo, com um cortejo no Minhocão. A força da cultura afro, no asfalto de um dos maiores ícones da urbanização intensiva no país.
Uma amostra robusta do compromisso do Cangarussu com a divulgação dos ritmos e valores afro-brasileiros foi compartilhada nos dois momentos no SESC-Campinas. Aos poucos, o quiosque do Galpão ficou pequeno para tantas pessoas que foram saber um pouco mais sobre o Maracatu, a manifestação que evoluiu a partir dos reizados e congadas durante os períodos pré e pós-escravatura. Como explicou Pedro Ogata, a coroação dos reis sempre foi um ponto alto do Maracatu. “Com a Abolição e a República, cada vez mais as rainhas adquiriram um protagonismo importante no Maracatu”, observou.
A palavra Maracatu era a denominação da animada reunião de negros e mulatos, nos arredores de Recife, que obviamente tinha uma conotação pejorativa entre a minoria branca. Aos poucos o Maracatu passou a nomear a manifestação que mesclou elementos dos reizados e congados com ingredientes do Candomblé e, também, de expressões xamânicas de origem indígena. O próprio nome Cangarussu deriva de uma entidade do Candomblé, o Cangaruçu, igualmente associado à Jurema, um culto afro-brasileiro com componentes indígenas.
O Recife, mas também o seu entorno, tornou-se a capital nacional do Maracatu. São várias nações do Maracatu sediadas na capital pernambucana. O Grupo Cangarussu mantém diálogo permanente com algumas dessas nações, como a Estrela Brilhante, de Recife e de Igarassu, no interior pernambucano.
“O grupo faz pesquisas permanentes, sobre o Maracatu e outros ritmos e expressões da cultura afro, como o Sabar, do Senegal, onde o Cangarussu já esteve representando o Brasil”, informou Kelly Cristina Santos, que é dançarina no Cangarussu. Ela mesma esteve recentemente durante um mês em Salvador, pesquisando danças afro muito fortes na capital baiana.
É todo esse conhecimento e envolvimento que o Grupo Cangarussu levou para as atividades de Carnaval no SESC Campinas. Ao som do tarol, do ganzá, da alfaia e do xequerê, entre outros instrumentos, os participantes da oficina iam se encantando com a intensa coreografia do Maracatu. De vez em quando, a voz potente da cantora Lurdes Miranda, uma paranaense que há muito tempo mora em São Paulo e há 20 anos está envolvida diretamente com o cancioneiro e a musicalidade afro. “É celebração, é encontro, é respeito e alegria”, disse a cantora, descrevendo o que significa o Maracatu para ela.
O Grupo Cangarussu participa de outras atividades no SESC-Campinas (como oficina de samba-reggae às 11 horas desta segunda, dia 8, com Kelly Cristina Santos), antes de fechar o Carnaval de 2016 na unidade de Campo Limpo. A missão de divulgar e preservar elementos essenciais da diversidade cultural brasileira continua sendo cumprida. Os passinhos comoventes de Ana Clara, sob o olhar atento da tia Amanda, que mora em Paulínia e se interessou pela programação especial no SESC-Campinas, mostraram que o futuro plural e biodiverso do Brasil está garantido e desperta muita esperança. (Por José Pedro Martins)