Por Daniela Prandi, especial para ASN
Uma jornalista vence, pela primeira vez na história, o Nobel de Literatura. A bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, premiada em 2015, foi a grande atração da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e lá estava eu entre as primeiras da fila, cercada de jornalistas e estudantes de jornalismo, à espera da minha estreia na Tenda dos Autores.
Na Flip, além de “Vozes de Tchernóbil”, outro livro de Svetlana ocupa lugar de destaque na livraria do evento. É “A Guerra Não tem Rosto de Mulher”, que segue a mesma “fórmula”. Ambos são reuniões de depoimentos com testemunhas, relatos emocionados de dois momentos distintos da história, no primeiro o desastre nuclear de Tchernóbil e no segundo a participação de mulheres nas tropas soviéticas durante a Segunda Guerra Mundial.
Para os jornalistas na plateia vem primeiro, digamos, uma “ducha de água fria”, ou uma primeira sacudida. Svetlana conta que se distanciou do jornalismo quando percebeu sua limitação, sua banalidade. “No jornalismo você transmite informações banais. Sempre me senti muito limitada”, disse. Ao optar por conhecer melhor seus entrevistados, dar a eles voz própria, conta que sua intenção era “procurar o ser humano dentro do ser humano”.
Aos 68 anos, essa senhorinha de blazer de matelassê estampado em tom pastel, de voz calma, já viu um bom bocado das mazelas do mundo. E ouviu testemunhas de um outro tanto de desgraças sobre as piores tragédias da humanidade. Em sua apresentação na Flip, emocionou quem estava na Tenda dos Autores e as outras 1.800 pessoas do lado de fora, um recorde de público, que a acompanhavam pelo telão ao dizer, simplesmente, mas nem tanto: “A única saída é o amor.”
“Eu falo do amor das pessoas que vivenciam tragédias. O amor cura. O mundo não vai ser salvo pelo homem racional, mas sim pelo homem que tiver uma visão ampla das coisas, que não vise só o progresso. Acredito que em alguns séculos vão nos considerar seres primitivos”, segue Svetlana, sempre muito aplaudida a cada final de suas respostas.
Ao final da palestra, o que me acompanha enquanto tento me equilibrar nas ruas de pedra de Paraty, entre a multidão que vai e vem com suas sacolas de livros e suas selfies, é que “a vida tem muitas tragédias, mas tem o amor, o pôr-do-sol”, como disse Svetlana. Ainda bem.
Antes da apresentação da Nobel de Literatura, mulheres seguraram cartazes com frases sobre a suposta homossexualidade da poeta Ana Cristina César, a homenageada da Flip 2016. Uma das “ativistas”, com o cartaz “Ana C. era gay”, disse que a família da autora esconde o fato e que é preciso divulgar a “verdade”.
Eu, uma das “viúvas” de Ana C., que descobri sua poesia só depois de seu suicídio, em 1983, acredito que o que falta é mais visibilidade para sua obra. Um dos maiores nomes da poesia brasileira do século 20, finalmente, ganhou espaço na vitrine da Flip, apesar das muitas críticas sobre a escolha, o que gerou boas polêmicas e alguns discursos apaixonados e apaixonantes.
Lançamentos, debates sobre sua obra, documentário, exposição de fotos, depoimentos, atrizes declamando seus poemas em vídeos para degustar entre uma palestra e outra, tudo isso parece muito mais importante do que sua opção sexual ou seu suicídio. “A Teus Pés”, primeiro livro de Ana C., relançado agora, talvez seja uma das saídas para “o amor” que Svetlana abordou.
“Apaixonada, saquei minha arma, minha alma, minha calma… Só você não sacou nada.” Ana C., saudade.