Temperaturas cada vez maiores a cada década que passa, aumento da mortalidade, acidificação dos oceanos, derretimento das geleiras, incremento das secas em algumas regiões e de enchentes em outras. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou hoje, 02 de novembro, em Copenhagen, na Dinamarca, o seu Quinto Relatório de Avaliação de Mudanças Climáticas, e a conclusão principal é simples: sem uma rápida transição energética da era dos combustíveis fósseis para a das energias sustentáveis, o mundo terá que conviver com efeitos cada vez mais devastadores do aquecimento global. O documento é a base científica das negociações que serão realizadas em dezembro deste ano em Lima, no Peru, e sobretudo em Paris, em 2015, visando um acordo global de redução das emissões de gases de efeito-estufa.
“Os cientistas do mundo não poderiam ter feito isso mais claro: para evitar os impactos do clima verdadeiramente devastadores, temos de avançar rapidamente para eliminar progressivamente o uso de combustíveis fósseis poluentes”, disse Alden Meyer, diretor de estratégia e política da Union of Concerned Scientists, em um avaliação para a Rede de Ação Climática Internacional. “Os líderes políticos enfrentam agora uma escolha: eles podem colocar as políticas em prática para alcançar essa mudança essencial, ou eles podem passar o resto de suas carreiras lidando com um desastre climático após desastre climático”, disse Meyer.
Evidências – O relatório do IPCC foi elaborado com a participação de mais de 2 mil cientistas, a partir da avaliação, durante mais de cinco anos, de mais de 30 mil peças de evidência. O documento enumera várias evidências do aquecimento global.
Cada uma das três últimas décadas, diz o relatório, foi sucessivamente mais quente na superfície da Terra do que qualquer década anterior desde 1850. O período de 1983 a 2012 foi “provavelmente o mais quente período de 30 anos dos últimos 1.400 anos no Hemisfério Norte, onde essa avaliação é possível (com confiança média)”. Os dados de temperaturas médias globais, combinadas as superfícies terrestres e oceânicas, e calculadas por uma tendência linear, mostram um aquecimento de 0,85 [0,65-1,06] ° C2 ao longo do período 1880-2012.
O aquecimento dos oceanos, afirmam os cientistas, domina o aumento da energia armazenada no sistema do clima, o que representa mais de 90% da energia acumulada entre 1971 e 2010 (alta confiança de dados), com apenas cerca de 1% armazenado na atmosfera. Em uma escala global, assinala o documento, o aquecimento dos oceanos é maior perto da superfície, e os 75 m superiores aquecido por 0,11 [0,09-0,13] ° C por década no período de 1971 a 2010.
Desde o início da era industrial, advertem os cientistas do IPCC, a absorção oceânica de CO2 (dióxido de carbono) resultou em acidificação dos oceanos. O pH da superfície da água dos oceanos diminuiu em 0,1 (com alta confiança de acerto nos dados), correspondendo a um aumento de 26% na acidez, medida como a concentração de íons de hidrogênio.
Ao longo do período 1992-2011, prossegue o documento, o gelo da Groenlândia e Antártida perderam massa (alta confiança dos dados existentes), provavelmente a uma taxa maior em relação a 2002 a 2011. “As geleiras continuaram a encolher em quase todo o mundo”, afirmam os especialistas, com alta confiança nos dados. No Hemisfério Norte, a camada de neve continuou a diminuir em extensão (alta confiança). “Há grande confiança de que as temperaturas do permafrost têm aumentado na maioria das regiões, desde o início de 1980, em resposta ao aumento da temperatura da superfície e alterando a cobertura de neve”, assinala o relatório.
Do mesmo modo, a extensão média anual de gelo marinho do Ártico diminuiu durante o período de 1979 a 2012, com uma taxa muito provável de intervalo de 3,5 a 4,1% por década. A extensão de gelo marinho do Ártico diminuiu em todas as estações e em cada década sucessiva desde 1979, com a mais rápida diminuição durante o verão.
Causas da mudança climática – Gases de efeito estufa de origem antropogênica (GEE) têm impulsionado desde a era pré-industrial grandes aumentos nas concentrações atmosféricas de CO2, CH4 e N2O, notam os cientistas. Entre 1750 e 2011, as emissões de CO2 antropogênicas acumuladas na atmosfera foram 2.040 ± 310 Gt (gigatoneladas) de CO2. Cerca de 40% dessas emissões permaneceram na atmosfera (880 ± 35 Gt de CO2); o restante foi removido da atmosfera e armazenado em terra (em plantas e solos) e no oceano. O oceano tem absorvido cerca de 30% do CO2 antropogênico emitido, causando a sua acidificação. Cerca de metade das emissões antropogênicas de CO2 entre 1750 e 2011 ocorreram nos últimos 40 anos (com alta confiança nos dados).
O total de emissões de gases de efeito estufa antropogênicas continuaram a aumentar ao longo do período 1970-2010 “com maiores aumentos absolutos entre 2000 e 2010, apesar de um número crescente de políticas de mitigação das mudanças climáticas”, advertem os cientistas. As emissões de gases com efeito de estufa antropogênicas em 2010 chegaram a 49 ± 4,5 GtCO2 equivalente. As emissões de CO2 pela queima de combustíveis fósseis e processos industriais contribuiu com cerca de 78% das emissões totais de gases de efeito estufa entre 1970-2010, com uma contribuição percentual semelhante para o aumento durante o período de 2000 a 2010 (alta confiança).
Globalmente, o crescimento econômico e populacional “continuaram a ser os mais importantes motores do aumento das emissões de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis”. A contribuição do crescimento da população entre 2000 e 2010 manteve-se praticamente idêntica à das três décadas anteriores, enquanto a contribuição do crescimento econômico tem aumentado acentuadamente. “O aumento do uso de carvão reverteu a tendência de longa data de descarbonização gradual (ou seja, reduzir a intensidade de carbono da energia) do fornecimento de energia do mundo”, observa o IPCC.
Eventos extremos – É muito provável, afirma o quinto relatório do IPCC, que o número de dias e noites frias diminuiu e o número de dias quentes e noites tem aumentado em escala global. “É provável que a frequência de ondas de calor tem aumentado em grande parte da Europa, Ásia e Austrália. É muito provável que a influência humana tem contribuído para as mudanças de escala global observadas na freqüência e intensidade de extremos de temperatura diária desde meados do século 20. É provável que a influência humana mais do que duplicou a probabilidade de ocorrência de ondas de calor em alguns locais. Há confiança média de que o aquecimento observado aumentou a mortalidade humana relacionada com o calor e diminuição da mortalidade humana devido ao frio em algumas regiões”, afirma o documento.
“Os impactos dos recentes eventos extremos relacionados com o clima, como ondas de calor, secas, inundações, ciclones e incêndios florestais, revelam a significativa vulnerabilidade e a exposição de alguns ecossistemas e muitos sistemas humanos à variabilidade climática atual”, ressaltam os cientista, com alta confiança de acerto dos dados existentes.
O IPCC indica alguns cenários futuros, relacionados à continuidade das emissões de gases de efeito-estufa. O futuro do clima, avisam os cientistas, dependerá do aquecimento causado por emissões antrópicas passadas, assim como das futuras emissões antrópicas e a variabilidade climática natural. A alteração da temperatura de superfície média global para o período de 2016-2035, relativa a 1986-2005, é semelhante para quatro cenários desenhados, e provavelmente será na gama de 0,3 ° C-0,7 ° C (com confiança média nos dados). Isso pressupondo que não haverá grandes erupções vulcânicas ou mudanças em algumas fontes naturais (por exemplo, CH4 e N2O), ou mudanças inesperadas na irradiação solar total. Em meados do século 21, completa o documento, a magnitude da mudança climática projetada será substancialmente afetada pela escolha do cenário de emissões.
Em relação a 1850-1900, a mudança de temperatura da superfície global para o final do século 21 (2081-2100) é projetada como provavelmente superior a 1,5 ° C para alguns cenários e provavelmente superior a 2 ° C ou entre 2.6°C–4.8°C para outros cenários.
“É praticamente certo que haverá temperaturas quentes mais freqüentes e menos extremos de temperatura fria sobre a maioria das áreas de terra em escalas de tempo diárias e sazonais, com o aumento da temperatura média global da superfície. É muito provável que as ondas de calor irão ocorrer com maior freqüência e maior duração. Ocasionais extremos de inverno frio vão continuar a ocorrer”, resumem os cientistas.
O IPCC explica que o risco de impactos relacionados com o clima resulta “da interação dos riscos relacionados com o clima (incluindo eventos perigosos e tendências), com a vulnerabilidade e a exposição dos sistemas humanos e naturais, incluindo a sua capacidade de se adaptar. Taxas crescentes e magnitudes do aquecimento e outras mudanças no sistema climático, acompanhado pela acidificação do oceano, aumentam o risco de graves, generalizados, e em alguns casos irreversíveis impactos prejudiciais”, advertem os cientistas.
Alguns riscos são particularmente relevantes para regiões individuais, enquanto outros são globais. “Os riscos globais de impactos futuros da mudança climática podem ser reduzidos pela limitação da taxa e magnitude das mudanças climáticas, incluindo a acidificação do oceano. Os níveis precisos de mudança climática suficiente para provocar a mudança abrupta e irreversível permanecem incertos, mas o risco associado a cruzar esses limiares aumenta com o aumento da temperatura (com média confiança dos dados)”, completa o documento.
O IPCC nota que tem havido o aumento do uso de fontes de energia sustentáveis, mas em escala insuficiente diante dos desafios de corte das emissões, para evitar aumentos ainda maiores das temperaturas e consequentes impactos locais e globais.
Os cientistas do IPCC concluem o documento assinalando que “estratégias e ações podem ser perseguidas agora para avançar na resistência às mudanças climáticas e para o desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo ajudando a melhorar os meios de vida, o bem-estar social e econômico e a gestão ambiental eficaz. Em alguns casos, a diversificação econômica pode ser um elemento importante de tais estratégias. A eficácia das respostas integradas pode ser reforçada por ferramentas relevantes, estruturas de governança adequadas e capacidade institucional e humana adequada. Respostas integradas são especialmente relevantes para o planejamento e implementação de energia; interações entre água, alimentos, energia e seqüestro de carbono biológico; e planejamento urbano, que oferece oportunidades significativas para uma maior resiliência, redução de emissões e desenvolvimento mais sustentável”.