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Rumo a 2022: como gestão, engajamento e inovação estão melhorando o Ideb em três estados
A ex-diretora Laedna Silva em atividade com a lousa digital: inovação pela equidade (Foto Adriano Rosa)

Rumo a 2022: como gestão, engajamento e inovação estão melhorando o Ideb em três estados

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, João Pessoa, Contagem – 13 de novembro de 2017

Uma lousa digital na sala de aula de um dos bairros de mais alta vulnerabilidade social de Campinas (SP). Uma rede que estimula a cultura da paz e diminui a evasão escolar em João Pessoa (PB). Um Laboratório de Ensino de Matemática em Contagem (MG). Estes são alguns dos recursos que escolas públicas de três cidades brasileiras, de três estados diferentes, estão utilizando, em total sintonia e com apoio de suas comunidades, para a melhoria do desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O indicador está completando dez anos, de olho em 2022, apontado como o horizonte quando o Ideb foi criado.

“Sem o apoio da comunidade não teria sido possível a evolução no Ideb”, confessa Maria Laedna Delfino Borges Silva, ex-diretora da Escola Estadual Professora Rosina Frazatto dos Santos, no Jardim Satélite Íris, em Campinas. “Há anos as escolas da Rede Crer Ser, na região do Cristo-Rangel, buscam atuar de forma conjunta para resolver problemas”, relata Teomary de Andrade Alves, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Ângela, em João Pessoa. “As escolas apostaram no Laboratório, em função de sua contribuição para a melhoria do desempenho dos alunos “, relata Renata Rodrigues de Matos Oliveira, professora de Matemática e pesquisadora, sobre os laboratórios implantados em escolas municipais de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

As narrativas são de personagens de escolas de três localidades de características totalmente distintas, mas com um cotidiano de muitas semelhanças, lembrando o que acontece em boa parte das unidades escolares brasileiras. Alto rodízio de professores, panoramas de dramaticidade social, salários nada atraentes para os profissionais e dificuldades para a obtenção de recursos essenciais para o dia a dia.

Por outro lado, estas escolas têm vivenciado experiências igualmente similares, de gestão diferenciada, de engajamento de educadores e de respaldo de suas comunidades e do investimento social privado, que têm sido determinantes para que, em territórios de muitas barreiras, consigam oferecer o melhor processo de ensino e aprendizagem possível a seus alunos. Tudo em respeito ao direito de igualdade de oportunidades educacionais previsto na Constituição brasileira e nos principais tratados internacionais.

Como ocorre na imensa maioria das escolas do país, os desafios são enormes para que estas escolas de São Paulo, Paraíba e Minas Gerais avancem ainda mais no Ideb e demais indicadores educacionais. Mas o roteiro está traçado, apontando para capítulos promissores.

NOVA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) completa dez anos de existência em 2017 e o saldo dessa primeira década é o de que a iniciativa do Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, aqui) tem sido um impulso para a melhoria do desempenho educacional  no Brasil. “O Ideb é um alerta para as escolas, o governo federal está dizendo que elas precisam melhorar no fluxo ou na qualidade do aprendizado”, afirma Ismael Bravo, consultor em políticas de educação, autor de vários livros e assessor Ad Hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A intenção quando o Ideb foi criado, em 2007, era a de que o país chegasse em 2022 com um Ideb médio de 6,0, em uma escala de 0 a 10, o que o colocaria em patamares educacionais comparáveis aos dos países considerados desenvolvidos. A data de chegada é simbólica: a meta alcançada em 2022 significaria a verdadeira independência do Brasil, 200 anos depois da “primeira” independência. O Ideb é um índice composto, formado pelo acompanhamento do fluxo escolar (aprovação) e pelo desempenho nas avaliações escolares, notadamente a Prova Brasil e Saeb, considerando as disciplinas Português e Matemática. A aprovação é mensurada por meio dos dados do Censo Escolar.

“A educação acontece no dia a dia e no município. Na Esplanada dos Ministérios não existe escola, ela está no município. Então quando são divulgados os resultados do Ideb, a cada dois anos, serve de alerta para as escolas e as redes municipais e estaduais”, completa Ismael Bravo, que também é pesquisador convidado do Laboratório de Gestão Educacional (Lage) da Faculdade de Educação da Unicamp. O movimento Todos pela Educação (aqui) utiliza os resultados da Prova Brasil/Saeb para acompanhar o cumprimento da sua Meta 3, na qual é proposto que todo aluno tenha aprendizado adequado a sua série.

Fachada da EE Professora Rosina Frazatto dos Santos, Jardim Satélite Íris, em Campinas (Foto Divulgação)

Fachada da EE Professora Rosina Frazatto dos Santos, Jardim Satélite Íris, em Campinas (Foto Divulgação)

PARCERIAS QUE TRANSFORMAM A ESCOLA

Parte das ruas do Jardim Satélite Íris, em Campinas, ainda é de terra. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região é um dos mais baixos do município, de 0,636, contrastando com locais como Alphaville, Gramado e Parque Prado, que apresentam IDH de 0,954, um dos mais altos do Brasil, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (aqui), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundação João Pinheiro e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Em uma escala de 0 a 1, quanto mais próximo de 1 melhor o IDH.

O Satélite Íris tem uma característica especial em seu DNA, uma marca que alimentou durante décadas um estigma social contra o bairro e sua população. Ele sediava o lixão da cidade, antes da estruturação do primeiro aterro sanitário.

Nesta cenário de acentuada vulnerabilidade, a EE Professora Rosina Frazatto dos Santos tem apresentado uma melhoria constante de seu Ideb. A meta para 2015, nos anos iniciais, era de um Ideb de 5,0, mas a escola atingiu 5,6, fruto de um índice de 5,89 (nota padronizada em português e matemática conforme a Prova Brasil) em aprendizado e de 0,96 em fluxo (indicando que quatro alunos não foram aprovados em cada grupo de 100).

Ideb 2015 dos anos iniciais da EE Professora Rosina Frazatto dos Santos (Fonte: QEdu.org.br. Dados do Ideb/Inep 2015)

Ideb 2015 dos anos iniciais da EE Professora Rosina Frazatto dos Santos (Fonte: QEdu.org.br. Dados do Ideb/Inep 2015)

Desde 2007 a performance da EE Rosina Frazatto dos Santos tem sido sempre superior à meta estipulada para a escola. O maior salto foi entre 2013 e 2015, de 4,9 para 5,6. São números animadores, considerando as dificuldades tradicionais de uma escola pública, em um território de acentuados desafios.

A trajetória de avanços no processo de ensino e aprendizagem começou no mesmo ano de lançamento do Ideb, 2007. Foi quando tomou posse na direção a professora Laedna Silva e, com ela, chegaram profissionais que a acompanhariam pelos próximos dez anos em que esteve à frente da gestão da escola. A professora Laedna deixou a direção no início de 2017 e boa parte da equipe que esteve com ela continua na unidade.

“De forma geral há grande rotatividade na escola pública, mas tivemos muita sorte pela manutenção de uma equipe durante um bom período, o que certamente ajuda na continuidade de um trabalho”, comenta a ex-diretora. Para ela, uma das explicações para a permanência de grande parte da equipe é que “os educadores passaram a compartilhar as mesmas propostas de trabalho, os mesmos ideais de oferecimento de uma educação escolar de qualidade para uma população que não tinha quase nada”.

O lançamento do Ideb, no mesmo ano de 2007, foi outra motivação. “Queríamos estar sempre atentos ao Ideb, ao Saresp, como espécies de guias, não como obsessão. O principal era construir uma escola de qualidade e acolhedora, com a comunidade e o papel central dos professores e demais educadores”, recorda Laedna.

O primeiro passo, lembra, foi buscar o apoio da comunidade, a adesão de pais e mães dos alunos. “Depois de muita conversa, de vários diagnósticos, concluímos que apenas uma escola de qualidade não faria diferença em uma área de muitos desafios, de muitas carências materiais. Não dá para oferecer a mesma escola, a mesma educação, para comunidades com realidades diferentes. E a realidade ali era muito dura. Era vital chamar a comunidade para participar da vida da escola, para que pudéssemos juntos encontrar caminhos para a melhor educação para os seus filhos”, explica.

Foram então pensadas estratégias para buscar a efetiva presença dos pais e responsáveis na vida da escola. “Promovíamos várias reuniões, duas vezes por semana, insistindo na ideia de que a escola sozinha não poderia proporcionar a melhor educação para os alunos, era preciso que os pais ajudassem”, conta Laedna.

Muitos bolos, chás, cafés, pães, biscoitos e acima de tudo muita conversa depois, a comunidade foi chegando, se aproximando. “No começo as mães tinham pressa de ir embora. Iam apenas para assinar a lista de presença. Aos poucos foram percebendo a importância daquilo, e que tinham voz e podiam contribuir muito. Passaram a dar opiniões, perderam o medo de participar, e de fato ajudam demais”, completa a ex-diretora.

Laedna Silva entende que dois procedimentos tomados pela equipe, por ocasião desses momentos de conversa aberta com a comunidade, fizeram grande diferença, com impacto na evolução do Ideb. “Como poderíamos almejar a alfabetização adequada, se aqueles alunos não tinham o exemplo, pela falta do hábito de leitura em casa? Nós fomos então introduzindo a leitura nas reuniões. Os pais foram gostando, a leitura e o livro foram sendo desmistificados” , avalia.

O outro procedimento exitoso, aponta, foi a presença dos filhos durante os encontros. “Enquanto falávamos com os pais, os filhos brincavam no pátio. Nos oferecíamos brinquedos, jogos e atividades como pintura facial. O objetivo era reunir a família mesmo, era mostrar que todos deviam estar juntos”, assinala.

Além das famílias, a equipe gestora procurou reforçar os laços com outros equipamentos sociais existentes no Jardim Satélite Íris. “A região já tinha uma tradição de intersetorialidade e nós procuramos nos integrar nessa rede de relações. E foi determinante para a proposta da escola. Tínhamos questões sérias de saúde com alunos. Procuramos o Centro de Saúde e buscamos soluções conjuntas. Como os alunos poderiam estudar com doenças e dores, como eles iriam às aulas? Tínhamos situações de fome em algumas famílias. Procuramos o apoio do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e de entidades que atuam na comunidade, como Casa Hosana e Projeto Gente Nova. Juntos buscamos cestas básicas e vários outros itens para as famílias mais vulneráveis. E assim por diante”, diz Laedna.

Cronograma da sala de cinema 3D da Escola Rosina entre 23 e 27 de outubro

Cronograma da sala de cinema 3D da Escola Rosina entre 23 e 27 de outubro

E assim por diante a Escola Rosina, como é conhecida, foi consolidando os vínculos com a comunidade do Jardim Satélite Íris. Uma circunstância decisiva, cita a professora Laedna, foi a oportunidade de aceleração de ações com a possibilidade de a escola participar de um programa pioneiro, de um fundo educacional nascido na iniciativa privada.

Em 2004, fruto da união entre o Instituto Arcor Brasil (aqui), Instituto C&A (aqui) e Vitae, foi criado o Fundo Juntos pela Educação, com sede em São Paulo mas com perspectiva de atuação em territórios de maiores demandas (site aqui). O Instituto Arcor é o executor das ações de investimento social do grupo argentino Arcor no Brasil, o Instituto C&A faz o mesmo no caso da rede de lojas de moda e o Vitae era um fundo de investimentos culturais e sociais nascido de mineradora sediada em Lichtenstein e com duração pré-determinada – nasceu em 1985 e deveria encerrar suas atividades em 2005, o que de fato ocorreu, não sem antes participar da constituição do Fundo Juntos pela Educação.

Como primeira iniciativa do Fundo, idealizado para apoiar ações educacionais inovadoras, foi lançado o Programa pela Educação em Tempo Integral, pensado com o propósito de fomentar e apoiar a formação de redes locais, unindo escolas, organizações de bairros e não-governamentais e serviços como centros de saúde e CRAS. Estas redes propiciariam atividades educativas além do período escolar, atendendo às demandas e prioridades elencadas pela comunidade, representada em um Conselho Gestor.

Programação de evento da Rede Novas Atitudes.Com em novembro de 2009

Programação de evento da Rede Novas Atitudes.Com em novembro de 2009

Os dois territórios escolhidos para o primeiro ciclo do Programa, que duraria entre 2006 e 2010, foram a cidade de Campinas e o estado da Paraíba. Em Campinas foram apoiados quatro projetos e, na Paraíba, cinco, nos municípios de João Pessoa, Santa Rita e Lucena. Os projetos abrangiam a formação das redes locais de educação “dentro e além da escola”. Neste ciclo o Programa pela Educação em Tempo Integral teve a parceria técnica da Fundação Feac.

Por suas características, o Jardim Satélite Íris foi escolhido como um dos bairros para a atuação do Programa do Fundo Juntos pela Educação e a Escola Rosina foi naturalmente um dos vértices de implementação do projeto – batizado de Novas Atitudes.Com – no bairro.

Hora de decidir as prioridades e estratégias, foram definidas ações como implantação ou reforço de informática no ambiente escolar ou das ongs e oficinas de arte e esporte. Naquele mesmo período, professores da Escola Rosina participavam na Unicamp de um curso de aplicação de tecnologias digitais na educação e partiram deles, entusiasmados com as novas possibilidades geradas pelo que estavam estudando, a ideia de aquisição, entre outros instrumentos, de uma lousa digital para utilização com os alunos. “Escolas privadas já tinham o equipamento, por que não em uma área de vulnerabilidade social?”, indaga-se Laedna Silva, resgatando uma pergunta que alimentou debates na época.

Adquirida a lousa digital, o equipamento tornou-se um ícone do que desejavam os parceiros da Rede Novas Atitudes.Com. Inovações, ousadia, para ajudar a mudar realidades desafiadoras. Findo o período de apoio pelo Fundo Juntos pela Educação, a Escola Rosina estava muito mais fortalecida e a Rede Novas Atitudes.Com continuou.

Caminhada das Rosas, pelas ruas do Satélite Íris, com participação de alunos e educadores da EE Rosina Frazatto dos Santos (Foto José Pedro Soares Martins)

Caminhada das Rosas, pelas ruas do Satélite Íris, com participação de alunos e educadores da EE Rosina Frazatto dos Santos (Foto José Pedro Soares Martins)

As ações, devidamente planejadas, para o aprimoramento contínuo do ensino e aprendizagem, tendo o Ideb e outros indicadores como balizadores,  também. Durante todo esse período, desde 2007, o planejamento pedagógico esteve sob a coordenação da professora Cláudia Ortolan. Ela faz a mediação das reuniões com os professores, para a definição coletiva do conteúdo ministrado. “Os projetos têm feito toda a diferença para a escola”, resume a coordenadora pedagógica.

Iniciativas coordenadas por ela, que continuam sendo praticadas, têm relação direta com o Ideb e outros indicadores de monitoramento e avaliação. O aperfeiçoamento da leitura e escrita recebe uma contribuição, por exemplo, da Rádio Rosina, que funciona nos intervalos e recebeu o apoio do Instituto Bosch na fase de implantação. Pelos microfones da Rádio Rosina, os alunos leem textos de livros, de jornal e revistas, além de transmitirem notícias de interesse geral.

Efeito positivo, igualmente, geram as maletas de leitura, que os alunos levam para casa nos finais de semana, respeitado um rodízio. A ideia é incentivar a leitura em família, dando continuidade ao que era feito nas primeiras reuniões com os pais. Alunos e pais também são estimulados a registrar suas impressões em uma espécie de diário que vai junto com livros e revistas na maleta de leitura.

O uso da lousa digital foi um marco e a EE Rosina Frazatto adquiriu o gosto pela alta tecnologia. O conteúdo semanal do que será dado para cada turma é publicado no blog da escola (aqui). “Assim os pais podem acompanhar o que seus filhos estão estudando, ajudar de algum modo e eventualmente cobrar algo deles”, salienta a coordenadora Cláudia Ortolan.

Os pais continuam tendo total liberdade para levar sugestões, sanar dúvidas com os educadores. E podem fazer isso pessoalmente, cara a cara, ou pelo celular. Um número foi colocado à disposição para os pais encaminharem suas dúvidas e ideias.

Rotina Pedagógica dos quartos anos B e C, entre 18 e 22 de setembro, divulgada no blog da Escola Rosina

Rotina Pedagógica dos quartos anos B e C, entre 18 e 22 de setembro, divulgada no blog da Escola Rosina: participação, interação, diálogo franco com a comunidade.

Um dos espaços mais queridos na escola é a Sala de Cinema 3D, onde após sessões concorridas geralmente acontecem animados bate papos. Sessões de cinema são oferecidas para a comunidade, no telão montado no pátio.

O pátio é a arena por excelência da Escola e Rede Rosina. Lugar dos grandes encontros, da troca de saberes e afetos. Nos dias 18 e 19 de setembro, foi o local em que os alunos assistiram a uma peça sobre trabalho infantil, preocupação perene dos educadores, pelo que a atividade gera de evasão escolar e uma gama de efeitos nefastos no desenvolvimento e no processo de ensino e aprendizagem. “Os professores trabalharam o tema com os alunos, como aliás acontece em toda atividade desse tipo, para que eles pudessem aproveitar ao máximo”, nota a coordenadora Cláudia Ortolan.

A coordenadora pedagógica Cláudia Ortolan, sempre atenta a novas possibilidades de ensino e aprendizado (Foto Adriano Rosa)

A coordenadora pedagógica Cláudia Ortolan, sempre atenta a novas possibilidades de ensino e aprendizagem (Foto Adriano Rosa)

Mais um dia letivo termina na escola. Pais e mães buscam os filhos, como Márcia Marques Pereira e a filha Jaqueline, do quinto ano, e Magda Eugenia da Cruz e os filhos João Paulo e Eduardo. Márcia e Magda são duas das mães mais presentes no cotidiano da Escola Rosina, sempre atuando como voluntárias em diversas tarefas. “É muito bom ajudar, é ótimo para nossos filhos”, elas afirmam, em uníssono.

Ao contrário de outras escolas, em que ficam do lado de fora, pais e mães entram na escola para pegar as crianças. A EE Professora Rosina Frazatto dos Santos aliou o analógico e o digital, a boa e velha conversa e a última geração tecnológica em comunicação, para somar forças com muitos, pela melhoria sistemática do processo de ensino e aprendizagem. Em um território de alta vulnerabilidade e carência material, o diamante lapidado dos potenciais de uma comunidade unida, tendo como uma das consequências a melhoria contínua do Ideb.

Teomary Alves, coordenadora da Rede Crer Ser, que une escolas no Cristo-Rangel em João Pessoa (Foto Adriano Rosa)

Teomary Alves, coordenadora da Rede Crer Ser, que une escolas no Cristo-Rangel em João Pessoa (Foto Adriano Rosa)

ESCOLAS PELA PAZ QUE FAVORECE ENSINO E APRENDIZAGEM

Assim como o Jardim Satélite Íris de Campinas, a região dos bairros Cristo Redentor e Rangel, na Região Oeste de João Pessoa, concentra uma diversidade de desafios sociais. Mas também nesse território evoluiu uma experiência comunitária de impacto no sistema público de ensino e aprendizagem. É a Rede Crer Ser, derivada de um dos projetos apoiados entre 2006 e 2010 na Paraíba, pelo mesmo Fundo Juntos Pela Educação que respaldou a evolução da Rede Novas Atitudes.Com em Campinas.

Uma característica marcante da Crer Ser é que, em uma região muito populosa, com mais de 50 mil moradores, a Rede tem como especiais protagonistas escolas públicas, embora conte com outros parceiros, como Conselho Tutelar e Polícia. São as Escolas Municipais de Ensino Fundamental Agostinho Fonseca Neto, Américo Falcão, Durmeval Trigueiro, Santa Ângela, Professor Luiz Mendes Pontes, Padre Pedro Serrão e Leônidas Santiago e a Escola Estadual Gonçalves Dias.

Desde a época do projeto apoiado pelo Fundo Juntos pela Educação, as escolas se reúnem regularmente, para planejar em conjunto suas ações. “Procuramos por exemplo identificar situações de trabalho infantil, de crianças em situação de rua ou com dificuldades de leitura e procuramos soluções em um planejamento conjunto”, relata Teomary Alves, professora atualmente na EM Santa Ângela e que já lecionou na EM Durmeval Trigueiro. “A redução da evasão escolar é um dos objetivos e ela tem acontecido”, completa Teomary.

Os números do Ideb ratificam uma evolução acima das metas intermediárias estabelecidas para a maior parte das escolas nos anos iniciais do ensino fundamental. São vários casos de redução acentuada da evasão escolar e outras ações com influência positiva no fator fluxo do indicador. 

Apenas dois exemplos. Na EMEF Santa Ângela, as taxas de aprovação aumentaram, entre 2007 e 2015, de 70,1% para 100% no primeiro ano,  de 68,2% para 86,4% no segundo, 75% para 86,2% no terceiro, de 59,5% para 90,9% no quarto e de 82,9% para 88,9% no quinto ano. A EMEF Santa Ângela teve um Ideb de 4,7 em 2015, em relação à meta de 3,9.

Na EMEIEF Professor Luiz Mendes Pontes, as taxas de aprovação cresceram, entre 2007 e 2015, de 52,6% para 95,7% no primeiro ano, de 41,2% para 92% no segundo, de 57,8% para 78,4% no terceiro, de 60,9% para 74% no quarto e de 77,8% para 90,7% no quinto ano. O Ideb da escola em 2015 foi de 4,5 e a meta era de 4,2, de acordo com o QEdu, com dados do Ideb/Inep.

A professora Teomary Alves nota que outras redes foram criadas em João Pessoa tendo a Crer Ser como referência. São os casos das redes Varadouro-Roger e da Amigos da Ilha do Bispo. Atualmente a Rede Crer Ser atua como uma organização não-governamental e tem apoio de uma organização italiana (Fondazione San Zeno) para implementação de um programa de cultura da paz.

O paradigma central para a atuação da Rede Crer Ser, complementa a professora Teomary, é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos termos da Lei 8069/90 de 13 de julho de 1990. Anualmente, por ocasião dessa data, a Crer Ser se junta a outras redes e organizações de João Pessoa para lembrar a importância do ECA para a mudança de perspectiva dos direitos da infância e juventude. “O ECA é a garantia de direitos das crianças e adolescentes e isso influencia diretamente no direito a uma educação de qualidade para todos”, conclui a professora Teomary.    

Grupo de alunos da EM Hilton Rocha usando o Laboratório de Ensino de Matemática (Foto Divulgação)

Grupo de alunos da EM Hilton Rocha usando o Laboratório de Ensino de Matemática (Foto Divulgação)

O PRAZER DA MATEMÁTICA

O conjunto de educadores da Escola Municipal Professor Hilton Rocha, de Contagem, comemorou muito a nova superação da meta do Ideb para a escola em 2015. A meta era de 5,6 nos anos iniciais, mas a escola atingiu 5,9, índice resultante de nota 6,10 em Aprendizado e de 0,96 em Fluxo. Desde 2007, a EM Hilton Rocha ficou somente abaixo da meta naquele mesmo ano de lançamento do Ideb. Os 5,9 representam quase a meta para o Brasil em 2022.

“Todos os projetos desenvolvidos na escola têm contribuído, de forma decisiva, para a obtenção de melhores índices no tocante à avaliação da aprendizagem de nossos alunos e em sua formação integral”, sustenta o diretor, Richard Coelho. O diretor cita os projetos Tratamento da Informação, visando aprimorar as habilidades de leitura e elaboração de gráficos e tabelas, e Estratégias de Leitura, praticado para superar dificuldades remanescentes de anos anteriores e de refinar algumas habilidades mais elaboradas que necessitam de maior intervenção para se consolidarem. “Com isso é possível a formação de um leitor proficiente capaz de exercer sua cidadania de maneira consciente, crítica e plena”, explica.

Ideb 2015 dos anos iniciais da EM Professor Hilton Rocha, de Contagem (Fonte QEdu.org.br, com dados do Ideb/Inep)

Ideb 2015 dos anos iniciais da EM Professor Hilton Rocha, de Contagem (Fonte QEdu.org.br, com dados do Ideb/Inep)

Ele ainda enumera os projetos Sexualidade, voltado a aprofundar a discussão e esclarecer as frequentes dúvidas dos adolescentes, e Cultura afro-índígena, “para que o educando conheça, respeite e se aproprie da diversidade étnica e cultural de nosso país”, frisa o diretor. Os Laboratórios de Ciências e de Matemática têm sido essenciais, completa o dirigente, para que o aluno vivencie de forma concreta e interativa o que aprende na teoria, em sala de aula.

De fato o Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) da Escola Municipal Hilton Rocha tem sido uma experiência particularmente marcante para os alunos. Mas a história do Laboratório começa em outra escola de Contagem.

A gênese está no gesto de professores da Escola Municipal Vereador José Ferreira de Aguiar, localizada bem distante da região central, de abraçar a ideia de implantação de um LEM. A professora Renata Rodrigues de Matos Oliveira, licenciada em Matemática e Física pela PUC-MG, com curso concluído em 2004, liderou o processo, em parceria com a professora Fernanda Rodrigues Alves Costa.

A cogitação de estruturação de um Laboratório de Ensino de Matemática na escola, lembra a professora Renata, nasceu no contexto das discussões entre os educadores, sobre o que fazer diante dos resultados de um diagnóstico feito na Vereador José Ferreira de Aguiar, entre 2007 e 2009. “Os profissionais fizeram uma avaliação diagnóstica, sobre as potencialidades e dificuldades dos estudantes, diante dos requisitos Básicos da Matemática para a inserção no terceiro ciclo”, comenta a educadora.

Jogo Tabuleiro de Porcentagens, um dos recursos do LEM da EM Hilton Rocha (Foto Acervo Professora Amabile)

Jogo Tabuleiro de Porcentagens, um dos recursos do LEM da EM Hilton Rocha (Foto Acervo Professora Amabile Amaral)

Surgiram muitas propostas, considerando as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais e os desafios suscitados pelo lançamento do Ideb em 2007. Um dos caminhos escolhidos foi o da implantação de um LEM, para colaborar na melhoria da performance dos estudantes na disciplina.

Faltavam, contudo, os recursos materiais para a viabilização do Laboratório mas eles logo apareceram, com a oportunidade de a EM Vereador José Ferreira de Aguiar participar de um edital aberto pelo mesmo Instituto Arcor Brasil que compõe o Fundo Juntos pela Educação, responsável pelo suporte às redes Novas Atitudes.Com, em Campinas, e Crer Ser, em João Pessoa. No caso se tratava de uma iniciativa própria do Instituto Arcor, o Programa Minha Escola Cresce. O Programa Minha Escola Cresce, lembra Célia Ribeiro de Aguiar, diretora executiva do IAB, dava apoio a projetos elaborados pela própria escola, após debate interno sobre suas demandas e prioridades.

Pois a Escola Vereador José Ferreira de Aguiar foi contemplada para participar da edição do Minha Escola Cresce, com o projeto do Laboratório. “O apoio veio no momento certo, foi determinante para viabilizar o Laboratório”, diz a professora Renata Oliveira.

O montante em recursos proporcionado pelo apoio do Instituto Arcor foi utilizado na compra de alguns jogos e brinquedos e também em capacitação, mas o Programa estipulava a necessidade de contrapartidas da escola. Entrou em cena o apoio da comunidade, lembra, emocionada, a professora Renata.

Em alguns finais de semana, cita, pais de alunos ajudaram a preparar uma sala da escola que estava sem uso. Além disso, membros da comunidade e alguns dos alunos contribuíram na confecção de brinquedos, a partir de material reciclado.

O LEM não teve sucesso imediato de público na escola, admite a professora . “Houve um certo estranhamento, com a saída da sala de aula para o trabalho em outro espaço”, recorda a educadora. “Mas aos poucos a ideia foi pegando, com a adesão dos alunos e acolhimento de mais professores” , completa.

Com o fim do apoio dado pelo Instituto Arcor Brasil, o Laboratório continuou na Escola Vereador José Ferreira de Aguiar e ele prossegue até hoje na unidade. A professora Renata passou a dar aulas na EM Hilton Rocha e a experiência do Laboratório de Ensino de Matemática foi acolhida pela escola, considerando os bons resultados obtidos até então.

“O Laboratório de Matemática torna concretos os conceitos, fórmulas e raciocínio lógico-matemático”, define o diretor Richard Coelho.  A professora Renata assinala que um dos benefícios do LEM é ser “um ambiente todo voltado para o ensino e aprendizado da Matemática, equipado com vários recursos, brinquedos, jogos, estimulando a curiosidade dos alunos”. Ela frisa que o próprio professor é desafiado “a experimentar novas vivências e práticas, a pesquisar novas formas de exercer sua profissão”.

Atualmente a professora Renata Oliveira está trabalhando na área de formação continuada de professores da Secretaria Municipal de Educação de Contagem. Como produto de sua dissertação de mestrado, ela elaborou um site para auxiliar professores a utilizar um Laboratório de Ensino de Matemática (aqui).

Os professores Amabile Amaral e Fabrício de Faria Almeida são aqueles que mais utilizam o LEM. “Um dos ingredientes mais relevantes é que no Laboratório os alunos são estimulados a pensar. Para resolver um problema, um desafio, eles são instigados a procurar por conta própria qual melhor brinquedo, jogo ou outro material que pode ajudar”, comenta a professora Amabile.

Alunos do oitavo ano trabalhando com balanças para montar equação química (Foto Acervo Professora Amabile)

Alunos do oitavo ano trabalhando com balanças para montar equação química (Foto Acervo Professora Amabile Amaral)

Por sua vez, o professor Fabrício, que trabalha apenas no LEM, aponta o trabalho em grupo como um dos elementos indutores de avanço no aprendizado. “Como em todo projeto na escola, o Laboratório de Matemática trabalha com os grupos áulicos, mesclando alunos com diferentes níveis de aprendizado. Um acaba ajudando o outro e isso é notável em nosso dia a dia”, diz o educador. “Foi um desafio para mim, que estava acostumado somente com a teoria. Tive que rever muitos de meus conceitos e isso é ótimo”, ele acrescenta.

Os alunos concordam com a percepção dos professores e aprovam o uso do Laboratório de Ensino de Matemática. “Estudar no Laboratório é muito divertido, podemos completar teoria e prática”, sintetiza Steffani Costa de Sousa, 15 anos, aluna do nono ano. Ela conta que aprendeu o Teorema de Tales com o uso de uma luminária e outros objetos para medir a sombra que era projetada. “Aprendemos muito mais fácil”, comenta Steffani, que aprova o trabalho em equipe.

Com 12 anos e aluna do sexto ano, Bianca Carlos do Nascimento relata como aprendeu mais sobre porcentagem com o uso de jogo de tabuleiro que simula a utilização de dinheiro (de plástico), compras e investimento. “Foi bem interessante, estamos aprendendo bastante dessa forma”, resume a aluna.

Todos os alunos têm acesso ao Laboratório de Ensino de Matemática da EM Professor Hilton Rocha. “O bom é trabalhar com grupos menores, de quatro a seis pessoas. Assim é possível dar um atendimento mais individualizado aos alunos. São quatro ou cinco grupos por vez, enquanto a outra metade da turma permanece na sala de aula. Na semana seguinte acontece a troca de alunos”, explica o professor Fabrício.

Mini-quadra na EM Hilton Rocha: novo incentivo ao saber com sabor (Foto José Pedro S.Martins)

Mini-quadra na EM Hilton Rocha: novo incentivo ao saber com sabor (Foto José Pedro S.Martins)

O diretor Richard Coelho justifica a utilização da metodologia dos grupos áulicos, no LEM e outros projetos da Escola Municipal Professor Hilton Rocha. “Resolvemos adotar a metodologia dos grupos áulicos proposta por Esther Pillar Grossi, muito utilizada nas séries iniciais, para formação dos grupos nas aulas de projeto”, descreve. “O resultado foi positivo, porque os alunos passaram a ter papéis definidos de coordenadores de grupos, Na maioria das vezes, alunos que não tinham um comportamento adequado ou um bom rendimento, ao assumirem esse papel de coordenador, tornaram-se mais responsáveis. De um modo geral, todos começaram a ter uma compreensão maior do que é ser um grupo e colaborar mutuamente para que juntos todos alcançassem seus objetivos”, esclarece.

O diretor aponta outras práticas recorrentes na escola, como contribuidores da busca de melhoria permanente dos processos de ensino e aprendizagem, com reflexos no Ideb e outros indicadores. “Na biblioteca, uma vez por semana, realizam-se atividades lúdicas como torneio literário, jogo do dicionário a fim de ampliar o vocabulário e desenvolver o gosto pela leitura e pela literatura”, destaca.

Entre 2016 e 2017, a EM Hilton Rocha participou de outra iniciativa do Instituto Arcor Brasil. É o Programa Escola em Movimento, que contempla o apoio a projetos de escolas públicas “que estimulem a vida ativa através do movimento”, esclarece a coordenadora de programas socioeducativos do Instituto, Milena Drigo Azal.

O projeto da EM Hilton Rocha possibilitou a construção de uma mini-quadra em uma área que não vinha sendo utilizada. A mini-quadra passou a ser usada principalmente para a prática de modalidades ainda não muito conhecidas dos alunos, como o badminton. “Foi muito interessante. A mini-quadra foi construída em um final de semana. Os alunos chegaram na segunda-feira e notaram a diferença”, lembra a professora de Educação Física Ohana Almeida. “Houve uma ampliação de oportunidades, é possível trabalhar com vários grupos ao mesmo tempo com esse novo espaço”, detalha outro professor de Educação Física, Arnaldo Luiz da Conceição. Os educadores entendem que a prática de atividade física contribui para o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes, incidindo na melhoria do rendimento em várias disciplinas.

Visão multidisciplinar, trabalho de forma transversal, apoio da comunidade e do investimento social privado, interação com outros equipamentos públicos, comprometimento irrestrito dos educadores e gestores . Escolas de Campinas, Contagem e João Pessoa estão trilhando com persistência e esperança novos caminhos, pelo aprimoramento e reinvenção da educação no Brasil.

 

 

 

 

 

 

 

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