Por José Pedro S.Martins
Inteligência artificial, robôs, impressoras 3D. Como o varejo, em plena revolução tecnológica cada vez mais acelerada, pode continuar mantendo a sua essência, que é cuidar de pessoas? E como os pequenos e médios comerciantes podem utilizar as ferramentas disponíveis para potencializar o seu negócio? Estas foram algumas das questões tratadas no 6º Fórum Regional do Varejo, realizado nesta quinta-feira, dia 26 de abril, no Expo D.Pedro, em Campinas.
Para apresentar e debater as novidades e tendências do setor, mais uma vez a Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC) mobilizou alguns dos mais importantes nomes do varejo, especialistas e representantes de empresas e instituições públicas que estão muito atentas ao que pode repercutir e influenciar o varejo, em todos os seus formatos. Como acentuou o presidente da ACIC, Guilherme Campos, o Fórum do Varejo alcança de forma crescente uma dimensão que extrapola as fronteiras regionais, justamente pela qualidade do conteúdo do evento.
Responsável pela coordenação-geral, a vice-presidente da ACIC, Adriana Flosi ressaltou que o Fórum é uma realização em conformidade com o objetivo da Associação, de “disseminar conhecimento e fundamentos para o desenvolvimento da economia”. Ela anunciou que o próximo Fórum Regional do Varejo será ainda mais expressivo e impactante. O prefeito Jonas Donizette participou da cerimônia de abertura.
CUIDADO DE GENTE POR ANTONIO C.PIPPONZI, DA RAIA DROGASIL
O cuidado de gente está no coração do processo de crescimento da Droga Raia, que em 2011 se uniu à Drogasil para formar a maior rede de farmácias do país. Este foi o núcleo da mensagem de Antonio C.Pipponzi, chairman da RaiaDrogasil, na conferência de abertura do Fórum Regional do Varejo de 2018.
Pipponzi detalhou as fases de expansão da Droga Raia, desde as primeiras farmácias em Araraquara, interior de São Paulo. A pioneira Pharmacia Raia foi aberta em 1904, pelo farmacêutico João Batista Raia. Em 1937 a Raia já era uma rede regional e em 1966, uma década depois da morte do fundador, o seu genro Arturo Pipponzi assume o controle da gestão.
Formado pela Politécnica da USP, Antonio Carlos Pipponzi entrou para a empresa em 1977. Um dos grandes desafios, lembrou, era a gestão de estoques. Com a bagagem de sua formação em engenharia, o seu primeiro insight, contou no Fórum do Varejo, veio com os primeiros computadores fabricados no Brasil. A utilização dos equipamentos permitiu a transferência do controle dos estoques das filiais para a administração central. O tempo médio dos estoques, que era de cerca de 75 dias, logo caiu para 40 ou 35 dias, com ganhos gerais para a operação, beneficiada pela montagem do centro de distribuição e reposição semiautomática dos estoques.
Entre 1980 e 1985 o número de lojas triplicou, de 7 para 21. No final da década já eram 35 lojas. Vieram os vários planos econômicos e a Raia continuou crescendo, em razão da cultura consolidada da empresa, fundamentada na valorização dos funcionários e aproximação com as comunidades onde as lojas estavam inseridas. “Preocupamos muito com o desenvolvimento dos profissionais e trouxemos jovens para o seu primeiro emprego, a quem apresentamos um plano de carreira muito promissor. Muitos jovens se formaram em Farmácia com o nosso apoio. Foi mais um insight importante”, disse Pipponzi.
No início do século 21 a Droga Raia já estava entre as três maiores redes de farmácia do Brasil. Vieram alguns desafios, como a decisão de colocar uma nova geração em postos de direção. E também veio uma decisão que, segundo Pipponzi, se revelou apressada, de abertura de capital em 2007. Com isso, lembrou, a empresa pela primeira vez assumiu um alto endividamento, para a execução de um plano de negócios arrojado e que previa o crescimento de lojas com impacto desprezado. O resultado foi uma crise interna, em pleno cenário desfavorável de 2008.
O equacionamento passou pela entrada de fundos “que acreditavam mesmo em nossos valores, em nossa cultura”, segundo Pipponzi, e também por ajustes na governança. No final de 2010, com a situação equilibrada, houve uma nova abertura de capital, em condições muito mais favoráveis.
Em 2011, a hora de “a razão prevalecer sobre a paixão”, com a decisão de fusão com a Drogasil. Era a principal concorrente, mas a fusão levaria a ganhos pelo aumento da sinergia e maior possibilidade de atuação no mercado de capitais. Pipponzi deixou a frente da operação, para assumir a presidência do Conselho da Raia Drogasil. “A prioridade continua sendo em desenvolver gente para cuidar de gente, não importa a tecnologia adotada”, concluiu, resumindo o sentido de sua apresentação.
O painel Políticas Públicas para o Varejo, mediado pelo jornalista Rodrigo Salomon, da Band Campinas, deu continuidade à programação. Ele perguntou inicialmente ao presidente da Federação das Associações Comerciais de São Paulo (Facesp), Alencar Burti, sobre a importância de aprovação da chamada Lei do AR.
Em novembro de 2017 a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, com apoio da Facesp, da ACIC e muitas outras organizações, projeto de lei que dispensa os birôs de crédito do uso de carta com Aviso de Recebimento (AR). A diminuição da burocracia, o cumprimento do direito do consumidor em ser informado (de forma mais rápida, e não mais apenas por carta) sobre a sua inadimplência e a maior facilidade na concessão de crédito ao consumidor foram alguns ganhos elencados por Burti.
Representando o prefeito Jonas Donizette, o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Social e Turismo, André Von Zuben, elencou algumas iniciativas da Prefeitura de Campinas que, na sua visão, tornaram mais favorável o ambiente para negócios na cidade. Citou o caso do prazo muito menor para abertura de empresas e também das mudanças no Plano Diretor, com a adoção de zonas de uso misto, facilitando a abertura de novos negócios.
Já o presidente da ACIC, Guilherme Campos, lamentou a distância existente entre os avanços tecnológicos e as instituições do poder público. “O mundo real avança muito mais rápido, mas quando chega no nível institucional mais alto, as mudanças são muito lentas”, comentou. Mas ele disse ser otimista e acreditar que a velocidade das mudanças e o aumento das demandas da sociedade, “com cidadãos e consumidores muito melhor informados”, fatalmente levará a transformações necessárias mais rápidas também no âmbito institucional.
Uma boa notícia foi levada pelo coordenador de Comércio e Serviços da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Eduardo Tosta. Ele informou que no dia 25 de maio será inaugurado em São Paulo, no Shopping Frei Caneca, o PROVA, laboratório de fomento ao varejo, equipado com salas de coworking, ilhas de tecnologia e mentorias. “Vamos colocar no mesmo espaço startups, empreendedores, investidores e inovadores, de modo a facilitar negócios e maior inserção do varejo no mundo tecnológico”, disse Tosta.
Ainda no painel de Políticas Públicas, Adriana Flosi lamentou os entraves no Congresso Nacional para a aprovação do projeto que faz mudanças na Lei do Cadastro Positivo, de 2011. Pela lei, o consumidor precisa aprovar a sua inclusão no Cadastro Positivo, já existente em vários países. A expectativa do setor de comércio é que, com a desburocratização do Cadastro Positivo, haverá impacto na própria concessão de créditos, na medida em que deve haver redução das taxas de juros, na medida em que o sistema financeiro embute percentual relativo ao risco de crédito. O sigilo bancário está garantido, argumentam os defensores da mudança do Cadastro Positivo. Adriana Flosi afirmou que continuará o empenho pela aprovação do projeto na Câmara dos Deputados.
TENDÊNCIAS PARA O VAREJO
A programação do 6º Fórum Regional do Varejo, na parte da manhã, terminou com painel sobre as Tendências para o Varejo. A mediação foi da vice-presidente da ACIC, Adriana Flosi.
Antes do painel propriamente dito, Maurício Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getúlio Vargas, apresentou os pontos que considera mais relevantes para descrever o atual cenário do setor, marcado por grandes mudanças tecnológicas e atuação agressiva dos grandes players, como Amazon, Google e Walmart.
O primeiro ponto ressaltado por Morgado foi o incremento da utilização de ferramentas como assistentes digitais de voz para compras, sobretudo entre a população jovem mais identificada com as mudanças tecnológicas. Outra ferramenta, usada por exemplo pela sueca IKEA, é a da realidade aumentada, para que o consumidor “veja” onde determinado móvel ou outro objeto será instalado em sua sala ou quarto. O uso de lentes holográficas também está aumentando em muitos países, informou.
O “duelo de titãs”, tema do segundo ponto, foi como Morgado batizou a briga dos gigantes do mercado. Com o avanço das vendas virtuais da Amazon e outros sites, comentou, redes tradicionais, como Walmart, estão reagindo, com a compra de startups e negócios de alto valor tecnológico agregado.
Ponto três, a personalização de produtos é uma tendência forte, acrescentou, citando o caso de lojas de calçados que colocam à disposição do cliente várias opções para que ele mesmo decida como será o produto que irá comprar. Lojas de perfume usam a mesma estratégia, deixando para a cliente a decisão de como será a embalagem do produto.
Morgado sublinhou que agregar novidades na experiência de comprar é uma tendência muito sólida. Citou por exemplo o caso de lojas de esportes que convidam o cliente a jogar uma partida de basquete em um espaço adequado. “Não há nada mais simples do que colocar uma cesta de basquete para o cliente tentar jogar a bola, mas a experiência é inesquecível”, afirmou.
Dois pontos históricos continuam muito fortes, em plena revolução tecnológica. Em primeiro lugar, a empresa precisa “criar uma história clara e diferenciada para contar”. É a narrativa do negócio, que dá o valor pelo qual o cliente não fará questão de pagar. E por último, colocar gente no centro de tudo, como já tinha afirmado Antonio C.Pipponzi, da Raia Drogasil. “É como dar a melhor atenção possível aos funcionários e clientes”, sintetizou.
O mesmo painel teve também a participação de Caio Camargo (GS&Up), Édson Jr. (Google), Felipe Dellacqua (VTEX) e Ricardo Alarcon (Grendene). O imperativo da inovação, a necessidade de se quebrar paradigmas e de permitir a interatividade com o consumidor, através das mais diferentes plataformas, foram alguns elementos apontados pelos painelistas.
A programação do 6º Fórum Regional do Varejo continuou, à tarde, com outros dois painéis, ambos sobre “O fator humano no centro da estratégia”, mas um com a Perspectiva do Consumidor e outro com a Perspectiva do Colaborador. E o evento foi encerrado com a exposição de Mário Spaniol, sobre “Como ousadia e qualidade tornaram a Carmen Steffens uma empresa global”.
O Fórum Regional do Varejo, realizado pela ACIC, sob a coordenação de Adriana Flosi, é uma clara demonstração de que as mudanças no comércio vieram para ficar e serão ainda maiores, sob os efeitos das mudanças tecnológicas e sociais. A realização do evento é um indicativo de que o setor está muito atento às transformações.