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Linhas e agulhas que tecem a cultura e redes de amizade: o bordado na Universidade
1º Seminário Nacional Bordado e Suas Histórias: tecendo experiências na Unicamp (Fotos José Pedro Martins)

Linhas e agulhas que tecem a cultura e redes de amizade: o bordado na Universidade

Faz 72 anos que Dona Lourdes Viccari Crivelenti descobriu a alegria em forma de desenhos em pano. Ela tinha oito, estudava no segundo ano em escola na zona rural de Altinópolis, na região cafeeira de Ribeirão Preto. Desde então, nunca mais parou. Nesta terça-feira, 25 de novembro, ela exibia com orgulho as suas belas criações, no saguão de entrada do Centro de Convenções da Unicamp, sede, ontem e hoje, do 1º Seminário Nacional Bordado e Suas Histórias. O bordado encantando de vez a Universidade, tecendo cultura, arte, filosofia e amizades na ponta da agulha.

O bordado que costura arte e identidade, que passa de geração para geração. Dona Lourdes legou o talento e o gosto para a neta, Paula, funcionária do CAISM/Unicamp que também apresentava suas refinadas produções. A avó mostrava e comentava em detalhes uma obra em particular, o bordado que fez contando a história da família, o encontro com o marido Cláudio, filhos e netos. Trabalho sem preço, em moldura dourada: o bordado costurou sonhos.

Dona Lourdes Crivelenti, de Altinópolis (SP): talento de geração para geração

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As cores, as flores, a magia do bordado. Várias experiências, de diversas partes do Brasil, foram contadas no Seminário na Unicamp. Dos Projetos Mel e Maria Arte & Ofício, de Belo Horizonte, ao polo de Ibitinga, interior de São Paulo, história de sucesso em comercialização e comunicação.

E, claro, os bordados do Nordeste, como os de Caicó, no Rio Grande do Norte, cuja trajetória foi narrada por Thais Fernanda Brito, da Universidade Federal da Bahia. “Bordados e bordadeiras. Um estudo etnográfico sobre a produção artesanal de bordados em Caicó-RN” foi o título de sua tese de doutorado em Antropologia Social, defendida em 2011 na USP.

Bordado latino-americano presente: comunidade andina no Chile

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Desde 2006 a pesquisadora trabalha com as “meninas de Caicó”, como ela chama e cujo trabalho conheceu, por acaso, no mercadão de Fortaleza. Voltando para casa e assistindo uma matéria sobre os bordados das meninas na televisão, não teve dúvidas: comprou na hora uma passagem de avião para Natal. De lá, cinco horas de carro até Caicó.

O bordado que supera estigmas. Thais entende que o bordado é uma das provas de que o sertão não é só carência, seca. Também é criação, imaginação exuberante. Tarefa historicamente feminina, disciplinadora do corpo e da mente, envolvendo aprendizado, domínio de técnicas e de repertórios estéticos, o bordado também é, e muito, “criação de vínculos”, disse a pesquisadora. De atividade doméstica, durante os projetos coloniais como território de educação e socialização feminina, o bordado se converte em atividade econômica, comércio e patrimonialização, observou.

O artista naif pernambucano Militão dos Santos e o seu livro, lançado no Seminário: arte costura arte

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As conferências ministradas no Seminário jogaram luzes sobre as perspectivas históricas, filosóficas e artísticas do bordado. “O fazer criativo – proposta psicopedagógica A bordar o ser” foi o mote da conferência magna, de Sávia Dumont, filha de uma conhecida família bordadeira de Pirapora, em Minas Gerais. “O bordado e a civilização” foi o tema de Paula Marcondes, professora e pesquisadora na área. “Bordando histórias e tecendo comunicação” foi o assunto de Jaci Ferreira, psicóloga clínica, psicanalista, bordadeira e criadora do Ateliê Bordados Etc e Tal.

Através do Ateliê, divulga o trabalho de vários artistas de todo país. Um deles também participou do Seminário na Unicamp. É Militão dos Santos, um pintor naif natural de Caruaru (PE), terra de artistas por excelência. Na infância, Militão contraiu meningite e a sequela foi a perda total da audição. Com o apoio familiar, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, na década de 1970, para frequentar o Instituto Nacional de Educação de Surdos, onde aprendeu a leitura labial e língua de sinais.

Militão e outras de suas criações: visão exuberante de mundo

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Tendo como primeiro mentor Rubens Fortes Bustamante, Militão desenvolveu sua técnica e, desde 1990 morando em Recife, construiu uma sólida carreira. A pedido de Jaci, o artista desenhou doze obras exclusivas, que foram então reproduzidas por componentes do grupo Ciranda Bordadeira. Todo o processo está detalhado no livro “Bordando Arte”, assinado por Militão e que representa a primeira produção literária independente do Ateliê Bordados Etc e Tal. O livro foi lançado no Seminário, onde o artista também expôs telas, camisas e quadros com sua visão original, sedutora, do Nordeste e do existir.

O bordado que liga biografias, projetos de vida. A arte que viabiliza “o ato de bordar-filosofar-contar-histórias-descobrir qualidade de vida, brincar de viver, fazer arte com agulha no tecido, riscando uma linha que dobra um saber sobre o outro”, nas palavras de Terezinha Barreto Costa, sobre o Projeto Oficinas Motivacionais de Bordado da Unicamp. Terezinha foi a organizadora do Seminário, iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários – Coordenadoria de Assuntos Comunitários – PREAC, da Unicamp, com apoio de vários parceiros: Ani Patchwork, Bordado Inglês, Funny World Arts & Crafts, Lee Albercht Designs, Silvia Sales – Aviamentos e Textura – Tecidos Nacionais e Importados, todos de Campinas, Coats Corrente Ltda., de São Paulo, e Karoline C. Antunes. (Por José Pedro Martins)

O bordado de Dona Lourdes, contando a história da família: a narrativa de vínculos

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