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Alzheimer e os dentes
Os problemas de entendimento, reconhecimento e comunicação causados pela Alzheimer (Crédito da imagem: Stephen Magrath)

Alzheimer e os dentes

POR ANDRE SARRIA

Eu poderia começar este texto com um título bem alarmante como “cientistas talvez tenham descoberto a cura do Alzheimer” não porque eu queira chamar a atenção e conseguir mais leitores e likes ou levantar teorias conspiratórias sobre curas de doenças e empresas farmacêuticas, mas porque prefiro manter os pés no chão ao comentar uma nova descoberta que está mudando de verdade a maneira de se pensar e estudar a doença de Alzheimer.

Quem sabe daqui alguns anos eu não volte aqui e mude o título deste texto e o coloque em letras garrafais como “A CAUSA DO ALZHEIMER É UMA BACTÉRIA QUE PROVOCA A GENGIVITE.” Devido às muitas descobertas em saúde e avanços médicos, as populações começaram a envelhecer, e, por conta disso, muitas doenças se destacaram sobre as outras, e as mortes por demência passaram a ser a quinta causa de óbitos em todo o mundo, sendo que o Alzheimer corresponde a cerca de 70 por cento desses casos.

Ainda não se sabe bem o que causa a doença, que vai progressivamente provocando a perda de memória e cognição, pois essa doença leva décadas para se consumar e vai, pouco a pouco, definhando a pessoa.

A condição envolve a acumulação de duas proteínas no cérebro, chamadas de amiloide e tau. Desde 1984, esta é a condição chave para a causa do Alzheimer: o acúmulo dessas proteínas. Então tudo se voltou para impedir esse acúmulo, centros de pesquisa, universidades e empresas passaram a entender e combater a “hipótese amiloide”. Impede-se a sua formação, evita-se a progressão da doença.

Muito dinheiro foi investido para o desenvolvimento de drogas que impedissem a formação das proteínas no cérebro; somente no ano passado quase dois bilhões de dólares foram investidos em experimentos envolvendo animais geneticamente modificados para produzir proteínas amiloides e no desenvolvimento de drogas para impedir ou para destruir a sua formação.

Tornou-se claro, porém, que essa estratégia não está funcionando. De acordo com o estudo “the price of progress: Funding and financing Alzheimer’s disease drug development” cerca de 99% de todo esse dinheiro não trouxe nenhum sopro de esperança para entender e combater essa doença. Então pesquisadores começaram a questionar a teoria das placas amiloides.

Em 2016, pesquisadores começaram a perceber que o acúmulo delas seria uma própria defesa do cérebro contra certos tipos de bactérias. Eles descobriram que esta proteína atuaria como um componente antibacteriano para proteger o cérebro de seus efeitos, assim, ao ser atacado por bactérias, o cérebro começa a produzir proteínas amiloidais para proteger os neurônios.

Envelhecimento é objeto de muitos estudos para a qualidade de vida (Foto creativecommons)

Envelhecimento é objeto de muitos estudos para a qualidade de vida (Foto creativecommons)

Eles encontraram bactérias no cérebro de pessoas que tiveram Alzheimer quando vivas, mas ainda era incerto se eram as bactérias que causavam a doença ou simplesmente entraram ali devido à fragilidade de um cérebro enfermo. Uma nova hipótese acaba de nascer. Muitos pesquisadores estão estudando a bactéria Porphyromonas gingivalis, causadora da gengivite.

Eles descobriram que essa bactéria invade e inflama certas regiões do cérebro afetada por Alzheimer, e que uma infecção nas gengivas piorava os sintomas da doença em ratos, desenvolvidos para ter Alzheimer, além de se observar o acúmulo das já ditas proteínas amiloidais e também sintomas claros de Alzheimer em ratos saudáveis. A revista Science publicou um trabalho, recentemente realizado por mais de 14 especialistas ao redor do mundo, descrevendo a descoberta de duas enzimas tóxicas vindas da bactéria P. Gingivalis. Eles descobriram que a bactéria utiliza essa enzima para se alimentar de tecido cerebral em 99% dos 54 cérebros estudados.

Essas proteínas são chamadas de gingipains (em inglês) e foram encontradas em alta quantidade nos tecidos cerebrais.

Quando o time injetou bactérias P. gingivalis em ratos, eles observaram que o cérebro começa a produzir as proteínas, e danos cerebrais em regiões afetadas por Alzheimer também foram observadas.

Uma outra descoberta mostrou que amostras de cérebro, vindos de pessoas sem Alzheimer, apresentam pouca quantidade da bactéria P. gingivalis além de uma pouca quantidade de sua enzima tóxica. É sabido que o acúmulo da proteína amiloidal leva anos para causar os efeitos da doença, e isso mostra que a bactéria P. gingivalis não entra no cérebro devido ao estado frágil, mas pode ser a sua causa.

Uma empresa farmacêutica, chamada Cortexyme, já está desenvolvendo dois tipos de tratamentos para a doença, sendo que uma delas é um medicamento que bloqueia a ação da enzima tóxica produzida pela bactéria causadora da gengivite e uma outra é uma vacina contra a própria bactéria. Uma vacina seria muito bem-vinda, pois impediria a formação dessas placas amiloidais ao longo da vida de uma pessoa e, por consequência, o desenvolvimento da doença.

Pode parecer um pouco estranho que uma bactéria causadora de uma doença bucal tenha uma relação com uma doença cerebral, mas não devemos nos esquecer de que a úlcera, anteriormente era atribuída a uma vida estressante e ao excesso de acidez no estômago, mas que uma bactéria chamada de Heliobacter pylori estava por trás da doença, uma descoberta feita pelo médico Barry Marshall que lhe garantiu um Nobel em medicina.

Existem muitos outros exemplos de doenças, como a suspeita de que a bactéria Streptococcus, causadora da amigdalite e de muitas infecções na garganta, pode estar envolvida como a causa de doenças obsessivo-compulsivas em crianças e, mais recentemente, estudos ligam certas bactérias intestinais com doenças como a depressão.

Quem quiser saber mais sobre esse trabalho, “Porphyromonas gingivalis in Alzheimer’s disease brains: Evidence for disease causation and treatment with small-molecule inhibitors”, ele pode ser encontrado gratuitamente no site da revista Sciences: doi.org/gftvdt

Leia outros artigos de Ciência por Andre Sarria: http://asn.blog.br/?s=Andre

 

 

 

Sobre Andre Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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