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Angústias e esperanças na Primavera Literária Brasileira em Portugal
Recorte do logotipo da Printemps Littéraire Brésilien

Angústias e esperanças na Primavera Literária Brasileira em Portugal

Por José Pedro S.Martins

Quais os rumos da literatura e da liberdade de expressão em um país que adotou uma nova orientação política? A busca de respostas a essa pergunta que cada vez mais provoca e inquieta o mundo da cultura em relação ao Brasil vai permear as discussões da edição de 2019 em Portugal da Primavera Literária Brasileira (Printemps Littéraire Brésilien, no original). A Primavera é uma das principais plataformas, nos dias atuais, de divulgação da literatura brasileira no plano internacional.

Ainda sob o impacto da notícia do Prêmio Camões concedido a Chico Buarque de Hollanda, mas no contexto dos vários ataques à cultura e à educação no Brasil, a semana de atividades começa nesta segunda-feira, 27 de maio, com o debate A Aventura da literatura brasileira, que acontece no Auditório Claret, em Vila Nova de Gaia, região do Porto, sob moderação do idealizador da Primavera Literária, o professor da Sorbonne Leonardo Tonus.

Leonardo Tonus, idealizador da Printemps Littéraire Brésilien (Foto Divulgação)

Leonardo Tonus, idealizador da Printemps Littéraire Brésilien (Foto Divulgação)

Esta é a sexta edição da Primavera Literária Brasileira e a segunda vez que o evento é realizado em Portugal. Tonus conta que as sementes dessa Primavera das letras foram lançadas em sala de aula, nos cursos que ministra há mais de 20 anos na Sorbonne, em Paris. Ele passou a abrir as portas para escritores brasileiros de passagem pela capital francesa e entre 2013 e 2014 tomou forma a Printemps Littéraire Brésilien, com a recepção das primeiras delegações de autores brasileiros.

Em 2015 Tonus foi convidado pelo governo francês para ser o curador do Salão do Livro de Paris, que teve o Brasil como país homenageado. Com a presença de 48 autores, foram promovidas ações em vários espaços e uma homenagem aos brasileiros Adriana Lisboa e Luiz Ruffato.

Participantes de evento da Primavera Literária Brasileira em Colônia, Alemanha, no dia 22 de maio de 2019 (Foto Divulgação)

Participantes de evento da Primavera Literária Brasileira em Colônia, Alemanha, no dia 22 de maio de 2019 (Foto Divulgação)

A partir de 2016 a Primavera Literária Brasileira é exportada para outros países e desde então o evento só cresce. Em 2019, participam mais de 50 romancistas, contistas, poetas, ensaístas e atores latino-americanos (do Brasil, Colômbia, Puerto Rico, Venezuela), magrebinos (Marrocos) e europeus (Portugal, França, Itália e Suíça), com atividades em cinco países europeus (França, Bélgica, Portugal, Alemanha e Suíça), em diversas cidades dos Estados Unidos e pela primeira vez no Canadá.

A recheada programação conta com debates, leituras, saraus literários, ateliês de escrita criativa e lançamentos de livros, organizados em livrarias, centros culturais, espaços institucionais ou voltados ao ensino universitário e secundário. Como o Auditório do Seminário Claret, em Vila Nova de Gaia, e o Jardim de Infância de São Miguel de Seide, sedes dos dois primeiros eventos, neste dia 27 de maio, da Primavera Literária Brasileira em Portugal.

O desmanche da cultura e da educação –  Leonardo Tonus comenta que a Primavera Literária retorna a Portugal “em um momento bem peculiar, em função da situação política e econômica no Brasil, e agora depois da premiação de Chico Buarque com o Prêmio Camões”. Ele entende que essas premiações exercem um papel importantíssimo para chamar a atenção para a cultura brasileira em geral. “Penso também nos prêmios conquistados pelos dois grandes realizadores brasileiros no Festival de Cannes”, destaca.

“É importantíssimo sobretudo para um país em que é colocada em prática há alguns meses um verdadeiro desmanche na cultura e na educação. Um país em que o próprio Ministério da Cultura deixa de existir e se torna uma secretaria vinculada a outro ministério”, protesta o professor da Sorbonne.

Para Tonus, premiações como essas têm portanto “uma carga simbólica importante no sentido de manter a atenção para a nossa cultura, que é muito rica e encontra muitos leitores sobretudo nos países lusófonos”.

Ana Kiffer: “Modos de diálogo. Não sairemos disso sem muita reflexão-ação e conversa/escuta comum” (Foto Divulgação)

Ana Kiffer: “Modos de diálogo. Não sairemos disso sem muita reflexão-ação e conversa/escuta comum” (Foto Divulgação)

A visão dos autores – Autores que participam da Primavera Literária Brasileira em Portugal destacam a importância da iniciativa para a difusão da literatura do Brasil no exterior, no atual cenário de inquietações no país. É o caso de Ana Kiffer, autora de livros como “Tiraspola/Desaparecimentos” (Editora Garupa) e organizadora de várias outras obras, como “Sobre o Corpo” (7 Letras) e “Michel Foucault no Brasil” (Editora Nau”).

Ana Kiffer participa na quinta-feira, 30 de maio, dos debates “Escrever o Contemporâneo”, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e “Qual Brasil? Qual Literatura”, na Fundação Casa José Saramago. Neste, com a presença dos autores Marcelino Freire, Mirna Queiroz e Maria Esther Maciel e do idealizador da Primavera, Leonardo Tonus.

“Não tenho a menor dúvida de que tanto o evento – Printemps Littéraire – quanto a minha participação, assim como a dos colegas presentes e, ouso dizer, a maior parte da literatura, das artes e dos professores e pesquisadores hoje no Brasil, todos estão estão abertamente buscando uma reflexão crítica sobre o nosso momento político e social”, acredita Ana Kiffer, que é também uma grande pesquisadora e difusora da obra de Antonin Artaud. Atualmente ela vivencia um ano sabático de estudos e escritas em Paris.

Para Kiffer, momentos como o da Primavera Literária em Portugal e outros países tratam-se, portanto, de oportunidade para “buscar oferecer uma reflexão que nos ajude tanto a compreender as razões que fazem com que hoje nos vejamos abertamente diante de uma sociedade partida em seus anseios democráticos, de buscar denunciar todo e qualquer atentado à vida humana endossado ou praticado pelas instâncias do poder, quanto de vislumbrar saídas conjuntas”. A escritora entende que não há outra saída: “Modos de diálogo. Não sairemos disso sem muita reflexão-ação e conversa/escuta comum”.

Maria João Cantinho: “Há um Brasil dos direitos democráticos, este é o Brasil da esperança, para onde o resto do mundo olha” (Foto Divulgação)

Maria João Cantinho: “Há um Brasil dos direitos democráticos, este é o Brasil da esperança, para onde o resto do mundo olha” (Foto Divulgação)

No debate sobre o tema central do evento em Portugal, Ana Kiffer também terá a companhia de Maria João Cantinho, que atuará como moderadora. Editora na Revista Caliban e pesquisadora no Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Maria Cantinho recorda que a Primavera Literária em Portugal começou justamente há dois anos, “quando se começou a prever o que iria acontecer no Brasil”, em referência ao processo que levou à eleição de um governo de extrema-feira no país com Jair Bolsonaro (PSL).

“Já nessa altura, o enfoque foi dado a essa imprevisibilidade da situação, o que mostra como é importante haver iniciativas brasileiras fora do Brasil para lutar contra o retrocesso cultural e educacional no país”, destaca Maria Cantinho. “São os intelectuais, mais informados, que devem agora tomar entre mãos essa tarefa de despertar, não só o Brasil, mas também o mundo, advertindo para a gravidade da situação”, ela completa.

Maria Cantinho também considera que, politicamente, é muito interessante que o Prêmio Camões para Chico Buarque e os Prêmios em Cannes para o cinema brasileiros tenham sido atribuídos nesta altura.”Não são só os talentos inegáveis dos artistas brasileiros e de um escritor e músico incontornável como Chico Buarque que são contemplados, mas revela o espírito da época e de uma Europa que não quer compactuar com o regime de Bolsonaro e o retrocesso democrático brasileiro. É fundamental compreender que são vários Brasis e não um único Brasil (de Bolsonaro e dos bolsonaristas) que coexistem. Há um Brasil dos direitos democráticos, da inclusão das minorias negras, índias, LGBT, etc.) que é preciso reconhecer, pois este é o Brasil da esperança, para onde o resto do mundo olha”, completa a filósofa portuguesa.

Maria João Cantinho entende que eventos como a Primavera Literária são, de fato, essenciais para a propagação da literatura brasileira em Portugal. Ela resume o panorama em seu país em relação à literatura brasileira: “Falta vontade e faltam leitores. De fato, só raras editoras apostam na literatura brasileira, como a Tinta-da-China, a Exclamação, a Cotovia, a Quási (já extinta) e a editora Porto e Leya (as mais representativas do que se publica em Portugal, se bem que os autores brasileiros sejam nelas pouco publicados). A verdade é que o leitor português conhece mal a literatura brasileira – ainda que conheça os clássicos – e por isso não compra autores brasileiros”, lamenta.

Cita, porém, o sucesso de Itamar Vieira Júnior com “Torto Arado”.”É disso, de prêmios literários que dêem a conhecer a qualidade dos autores brasileiros em Portugal, como o Prêmio Oceanos, o Prêmio Camões, o Prêmio Leya, que precisamos, para que se aguce o apetite do leitor e que por sua vez se justifique o risco das editoras que neles apostam”, conclui Maria João Cantinho, de qualquer modo entusiasmada com mais uma edição de Printemps Littéraire Brésilien no país que legou a língua e traços culturais importantes para o Brasil. Um país que está causando preocupação extrema no exterior, mas que ainda incita a esperança a partir da riqueza de sua diversidade cultural.

Apoios – A edição de 2019 conta com o apoio de diversas universidades: Sorbonne Université, Fondation Calouste Gulbenkian (Paris), Maison de l’Amérique Latine, Université Paris Nanterre, Université Paris 13, Sciences PO-Paris, Université Paul Valéry (Montpellier 3), Université Rennes 2, Université de Lille, Lycée Jean-Macé, Lycée International de l’est parisien, Université Libre de Bruxelles, Indiana University Bloomington, Ohio State University, Northwestern University, The Pennsylvania State University, Yale University, Brown University, Columbia University, UCLA University, University of Washington, McGill University, Heidelberg Universität, Universität zu Köln, Universidade do Minho, Universität Zürich, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ( PUCRS).

Colaboram com a sexta edição da Primavera Literária Brasileira: São Paulo Review, Revista Pessoa, Canal Livrada ( Yuri Al’Hanati), Bloco Gráfico, Club des Poètes, Lusojornal, PortuguêsVivo,  Editora Nós, Editora Dublinense, Editora Reformatório, Librarie La Licorne (Bruxelas).

Programação – Programação completa da Primavera Literária Brasileira em Portugal:

VILA NOVA DE GAIA

27 de Maio

11h-13h — Auditório Claret (Santuário do Coração de Maria)

A Aventura da literatura brasileira

com Andrea Nunes, Maria Esther Maciel, Marcelino Freire e Alê Motta

Moderação : Leonardo Tonus (Sorbonne Université) et Andreia Cunha (Sorbonne Université)

SAO MIGUEL DE SEIDE

27 de Maio

14h30 — Jardim de Infância de Seide São Miguel

No mundo da leitura

Com Nilma Lacerda e Manuel Filho

Organização e Moderação : Sara Nogueira ( Sorbonne Université)

BRAGA

28 de Maio

10.00h — AUDITÓRIO DO ILCH

Abertura do Festival

Presidente do ILCH

Diretor do CEHUM

Diretora da BLCS

Membros da organização: Carlos Mendes de Sousa e Micaela Ramon (UM); Leonardo Tonus (Sorbonne Université)

10h30 -11h30 — AUDITÓRIO DO ILCH

Mesa 1 — Qual Brasil? Qual Literatura?

com Itamar Vieira Júnior e Marcelino Freire

Moderação: Isabel Cristina Pinto Mateus (UM) e Leornardo Tonus (Sorbonne Université)

14h-15h — AUDITÓRIO DO ILCH

Mesa 2 — Novas poéticas da migrância

com Prisca Agustoni e Leonardo Tonus

Moderação: Nilma Lacerda (UFF) e Ana Ribeiro (UM)

15h30 -16h30 — AUDITÓRIO DO ILCH

Mesa 3 — Um outro olhar literário

com Andrea Nunes, Alê Motta e Tomas Rosenfeld

Moderação: Marcelino Freire e Sérgio Sousa (UM)

18.30 — Reitoria da UM

Recital de Poesia

com Maria Esther Maciel, Leonardo Tonus, Prisca Agustoni, Marcelino Freire, Nilma Lacerda e estudantes do Mestrado em Teoria da Literatura e Literaturas Lusófonas

21.30h –Teatro do Liceu Sá de Miranda

Concerto “Canto d’Aqui”

29 de Maio

10h-11h00 — AUDITÓRIO DO ILCH

Mesa 4 — Escritas das afetividades

com Maria Esther Maciel e Nilma Lacerda

Moderação: Leonardo Tonus (Sorbonne Université) e Rita Patrício (UM)

11h30–12h30

APRESENTAÇÃO DA “PLATAFORMA 9”

– Intervenção da Senhora Vice-Reitora Prof.ª Manuela Martins ou de Micaela Ramon, em representação da Universidade do Minho.

– Projeção do vídeo “Plataforma Nove”.

– Intervenção do representante da Associação Internacional de Lusitanistas — Doutor Cândido Martins

– Intervenção da representante da Fundação Calouste Gulbenkian — Drª Mª Helena Melim Borges

– Atuação do Coro da Universidade do Minho (mini-rapsódia de temas lusófonos).

14h30–16h — BLCS

Mesa 5 — Literatura para jovens

com Nilma Lacerda e Manuel Filho

Moderação: Sara Nogueira (Sorbonne Université), Sara Reis e Fernando Azevedo (UM)

14h30–15h30 — BLCS

Clube de Leitura para Crianças e Jovens

16h30 — Encerramento das atividades

– Presidente do ILCH

– Diretor do CEHUM

– Diretora da BLCS

– Representantes da Plataforma 9

– Membros da organização: Carlos Mendes de Sousa e Micaela Ramon (UM); Leonardo Tonus (Sorbonne Université)

ÉVORA

30 de Maio

15h — Livraria Fonte das Letras, Rua Vasco da Gama, 8, 7000–854 Évora

Novas vozes da narrativa contemporânea

Com Andrea Nunes e Alê Motta

Organização e moderação : Cristina Firmino ( Universidade de Évora)

LISBOA

30 de Maio

14h-15h30 — Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Escrever o contemporâneo

Com Nilma Lacerda (UFF), Ana Kiffer (PUC-RJ) e Leonardo Tonus (Sorbonne Université)

Organização e moderação : Alva Martinez Teixeiro ( Universidade de Lisboa)

18h30–20h30 — Fundação Casa José Saramago

Qual Brasil? Qual Literatura?

Com Marcelino Freire, Ana Kiffer, Mirna Queiroz, Maria Esther Maciel e Leonardo Tonus

Moderação : Maria João Cantinho

(Publicado originalmente em Pé de Moleque Livros)

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.

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