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COVID-19 aumenta o risco de negligência com portadores de hanseníase
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

COVID-19 aumenta o risco de negligência com portadores de hanseníase

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, 14 de abril de 2020

A pandemia de COVID-19 aumenta o risco de populações em situação de vulnerabilidade, como as de portadores de hanseníase, ficarem ainda mais negligenciadas, expostas não apenas ao novo coronavírus como tendo o acesso mais dificultado aos necessários serviços de saúde e a outros bens fundamentais. O alerta é da relatora especial das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares, Alice Cruz.

A hanseníase é uma doença provocada pelo bacilo Mycobacterium leprae, que provoca inflamação ao atingir os nervos periféricos, com perda da sensibilidade e das suas funções. Em 2018, segundo a Organização Mundial da Saúde em relatório em agosto de 2019, foram registrados 208.641 novos casos de hanseníase, em 127 países.

Somente três países foram responsáveis por 79,6% dos novos casos de hanseníase em 2018: Índia com 120.334 casos, Brasil com 28.660 e Indonésia com 17.017 casos. Em termos globais, a redução de novos casos tem sido muito moderada. Foram 244.796 casos em 2009, em comparação com os 208.641 em 2018.

Segundo país com maior número de casos, o Brasil registrou 37.610 casos em 2009 e, com uma série de medidas, houve queda nos anos seguintes, até atingir os 28.660 em 2018. Entretanto, a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) acredita que o número real pode ser muito maior, em função da sub-notificação.

“Como não são avaliados os contatos dos pacientes, não há mais ensino sobre a hanseníase nas universidades e falta capacitação dos profissionais da atenção básica à saúde no país, a SBH estima que cerca de 120 mil doentes estejam sem diagnóstico para a hanseníase no Brasil”, afirmou o médico dermatologista, com doutorado em Imunologia da Pele pela Universidade de Tóquio, Claudio Salgado, presidente da SBH, no momento de lançamento do documento pela Sociedade.

Um dado inquietante no relatório da OMS de 2019 é que o Brasil registrou o maior número de recaídas em todo mundo: foram 1840 casos em 2018, seguido da Índia com 436 casos e Indonésia com 284.

Em documento de 2010 (aqui), a OMS considera que as Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) – que afetam 1 bilhão de pessoas no mundo – têm como características comuns: são doenças correlacionadas como situações de pobreza; afetam populações que têm baixa visibilidade e pouca voz política; provocam estigma e discriminação, principalmente de meninas e mulheres; têm impacto importante sobre morbidade e mortalidade; podem ser controladas, evitadas e possivelmente eliminadas pelo emprego de soluções eficazes e factíveis; e são relativamente negligenciadas pelas pesquisas. “Há necessidade de pesquisas para o desenvolvimento de novos diagnósticos e medicamentos, e para tornar acessíveis intervenções para prevenção, controle e gestão das complicações decorrentes de todas as DTN”, sustenta a OMS.

Os 23 países considerados prioritários pela OMS, para o combate à hanseníase, uma das 17 Doenças Tropicais Negligenciadas pelos critérios da Organização, são: Angola, Bangladesh, Brasil, Comores, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Micronésia (Estados Federados da), Índia, Indonésia, Kiribati, Madagascar, Moçambique, Mianmar, Nepal, Nigéria, Filipinas, Sul Sudão, Sri Lanka, Somália, Sudão e República Unida da Tanzânia.

Encontro da relatora Alice Cruz com moradores da ex-colônia de Marituba, Pará, em 2019 (Foto Artur Custódio/Morhan)

Encontro da relatora Alice Cruz com moradores da ex-colônia de Marituba, Pará, em 2019 (Foto Artur Custódio/Morhan)

Hanseníase e COVID-19 – No caso da hanseníase e sua relação com a COVID-19, para Alice Cruz, são dois os problemas principais. “Um é o acesso a serviços de saúde e acesso a serviços de proteção social durante a pandemia, e o outro é o risco de populações já vulneráveis e negligenciadas, com dificuldades de acesso a comida, a água limpa e habitação digna, terem fatores de risco acrescidos, pois também são determinantes para o contágio pela COVID-19″, afirmou, em entrevista à Agência Social de Notícias.

A relatora também adverte para o aumento do risco para pessoas atingidas por hanseníase, e que fazem tratamento com medicamentos que podem afetar sua imunidade, estando portanto com maior vulnerabilidade em relação à COVID-19, provocada pelo novo coronavírus SARS-Cov-2.

Diante deste cenário, Alice Cruz ressalta ser “muito importante ter claras as orientações técnicas para o cuidado da hanseníase em tempos de COVID-19″. Para ela, é fundamental “que as pessoas afetadas pela hanseníase estejam conscientes dessas orientações técnicas, para poderem reivindicar o cuidado médico de qualidade”.

“É muito importante que as pessoas afetadas pela hanseníase conheçam seus direitos para que possam reivindicá-los junto aos serviços do Estado de que mais precisam, como em termos de saúde e de proteção social”, completa a relatora especial das Nações Unidas.

Neste contexto, Alice Cruz considerou de extrema relevância o documento publicado pela Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), no último dia 5 de abril, com “Orientações para pessoas atingidas pela hanseníase durante a pandemia Covid-19″.  “É um importante documento, para que as autoridades públicas não se esqueçam dos problemas estruturais, quando todos os esforços estão  centrados no combate à pandemia”, diz a relatora.

Documento da SBH – O documento da Sociedade Brasileira de Hansenologia foi o primeiro entre as organizações científicas mundiais a tratar da relação entre a hanseníase e a pandemia de COVID-19. A Sociedade alerta que pode haver confusão no diagnóstico, em função dos efeitos de medicamentos usados no tratamento da hanseníase.

“A DAPSONA, o comprimido branquinho da cartela da PQT, um dos medicamentos para tratar a hanseníase, pode causar falta de ar grave e cansaço devido à anemia que o medicamento pode causar em alguns pacientes. Lembre-se de que a COVID-19 pode evoluir com falta de ar e isso pode confundir o seu médico, que deve estar atento para diferenciar a origem dessa falta de ar”, diz o documento, no qual a SBH utiliza uma linguagem simples, com mensagens diretas para o portador de hanseníase em tempos de pandemia.

A SBH ainda adverte para as situações de coinfecção. “As consequências da coinfecção da hanseníase com tuberculose ou HIV e COVID-19 são desconhecidas, assim como a superposição da hanseníase, gravidez e COVID-19. As pessoas nessas condições devem estar mais alertas a novos sintomas e solicitar ajuda médica, quando necessário”, diz a Sociedade.

O documento ainda ressalta a necessidade de máxima atenção com a higiene durante a pandemia e de cuidados com a saúde mental. “A crise da COVID-19 evidencia a importância da promoção da saúde, através da melhoria das condições de vida da população, que inclui o acesso de todos aos serviços de saúde, como proposto pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma o documento da Sociedade Brasileira de Hansenologia, um dos raros publicados até o momento em todo mundo, fazendo a relação entre uma doença considerada negligenciada e a pandemia de COVID-19.

CAMPANHA DO MORHAN

O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) também está divulgando uma campanha relacionada ao enfrentamento da COVID-19. São várias mensagens, dirigidas diretamente aos portadores de hanseníase no Brasil.

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