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Brasil reduz mortes em acidentes de trânsito, mas tem longa estrada a percorrer até a segurança viária
Trânsito seguro, com proteção dos pedestres: objetivo global (Foto Adriano Rosa)

Brasil reduz mortes em acidentes de trânsito, mas tem longa estrada a percorrer até a segurança viária

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, 27 de fevereiro de 2021

Um ônibus com 53 passageiros, todos trabalhadores de uma fábrica têxtil, colide com um caminhão e o saldo é de 42 mortos e 12 feridos. Foi no dia 25 de novembro de 2020, na rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho, entre Taguaí e Taquarituba, região de Avaré, interior de São Paulo. O mais letal acidente de trânsito no Brasil no ano da pandemia, que coincidiu com o fechamento da primeira Década de Ação para a Segurança Viária, instituída pela Organização das Nações Unidas para o período 2011-2020.

No momento em que o país e o mundo continuavam contando os óbitos pela Covid-19, a tragédia no interior paulista resgatou para as manchetes da imprensa, e de forma dolorosa, a epidemia com a qual o país convive há muitas décadas. A epidemia das mortes em acidentes de trânsito, um dos maiores desafios em saúde pública no Brasil.

Durante a Década de Ação para a Segurança Viária, em função de um elenco de ações, executadas pelo poder público, na esfera legislativa e da indústria automobilística, e com decisiva participação da sociedade civil, houve uma queda de mais de 25% no número de mortes por acidentes nas ruas, rodovias e estradas brasileiras, em relação à linha de base de 2011. Lembrando que a frota de automóveis em 2020 era de 107 milhões de veículos, contra 65 milhões ao final de 2010, segundo o Denatran.

“Isso não é nada desprezível e tem que ser reconhecido”, como afirma Victor Pavarino, consultor de segurança no trânsito e mobilidade sustentável da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, como o próprio Pavarino ressalta, “não podemos esquecer que se os números baixaram de 42 mil para 31 mil mortes por ano, ainda são 31 mil vidas. São 31 mil pessoas mortas por algo cujas causas e prevenção conhecemos. Estatisticamente falando, sabemos quem, quando e onde as pessoas vão morrer. E o que funciona”, diz o consultor da OPAS/OMS, um dos vários especialistas ouvidos pela Agência Social de Notícias. Eles e elas analisaram os resultados obtidos pelo Brasil na primeira Década de Ação para a Segurança Viária, apontaram o que deixou de ser feito e indicaram propostas para que avanços maiores sejam alcançados na segunda Década, que as Nações Unidas já anunciaram para o período 2021-2030.

Na abertura da Conferência de Moscou, o presidente  Dmitri Medvedev projetou fotos de 15 jovens de todo mundo, entre elas de Thiago Gonzaga, falecido em acidente em Porto Alegre em 1995 (Foto Sérgio Neglia/Arquivo FTMG)

Na abertura da Conferência de Moscou, o presidente Dmitri Medvedev projetou fotos de 15 jovens de todo mundo, entre elas de Thiago Gonzaga, falecido em acidente em Porto Alegre em 1995 (Foto Sérgio Neglia/Arquivo FTMG)

1.De Moscou a Estocolmo, a agenda pela segurança viária

Na madrugada do dia 20 de maio de 1995, uma semana depois de ter completado 18 anos, Thiago de Moraes Gonzaga voltava de carona de uma festa quando o carro em que estava colidiu com um container estacionado irregularmente em uma avenida de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Thiago faleceu em decorrência do acidente e seus pais, Régis e Diza Gonzaga, resolveram criar uma organização não-governamental para ajudar na guerra sem tréguas à imprudência e outros fatores que estão na origem das mortes no trânsito.

Fundada a 13 de maio de 1996, e com forte trabalho de educação no trânsito desde então, na capital e também pelo interior gaúcho, a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga foi uma das organizações convidadas a participar da Primeira Conferência Ministerial Global sobre Segurança no Trânsito, realizada em Moscou, Rússia, entre os dias 19 e 20 de novembro de 2009. Durante o evento, a presidente da Fundação, Diza Gonzaga, recebeu o Prince Michael International Road Safety Awards, das mãos do Príncipe Michael of Kent. O prêmio é considerado o mais importante reconhecimento da área de segurança vária no mundo.

Em Moscou, Diza Gonzaga recebe das mãos do Príncipe Michael o prêmio internacional que leva o nome do britânico (Foto Sérgio Neglia/Arquivo FTMG)

Em Moscou, Diza Gonzaga recebe das mãos do Príncipe Michael o prêmio internacional que leva o nome do britânico (Foto Sérgio Neglia/Arquivo FTMG)

“Foi uma honra participar do evento que sacramentou a promoção da Década da Segurança Viária, levamos a nossa história e o propósito de lutar para que acidentes como o que ocorreu com o meu filho não continuassem acontecendo”, diz Diza Gonzaga, que em razão de sua trajetória foi convidada pelo atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, para a diretoria institucional do DetranRS.

Foi justamente em decorrência de histórias como a de Thiago de Moraes Gonzaga que as Nações Unidas, sob a liderança da OMS, chegaram à decisão de promover a Década de Ação. Relatório publicado em 2004 pela OMS, em parceria com o Banco Mundial, o “World report on road traffic injury prevention“, abriu uma grande discussão em torno do tema nas organizações multilaterais. O relatório foi publicado depois que a OMS foi convidada, em decisão da Assembleia Geral da ONU, em abril daquele ano, a coordenar uma reflexão global sobre o tema, visando ações concretas pela segurança no trânsito.

A motivação central para a OMS liderar o debate era o fato de que acidentes de trânsito estavam matando mais de 1,2 milhão de pessoas e ferindo ou incapacitando até 50 milhões por ano. Esses acidentes tinham se tornado a principal causa de morte de crianças e jovens de 5 a 29 anos. A OMS também alertava que mais de 90% das mortes no trânsito eram registradas em países de baixa e média renda. Nesses mesmos países, os mais vulneráveis eram os pedestres, ciclistas, usuários de veículos motorizados de duas e três rodas e passageiros em transporte público inseguro.

O Brasil chegava à reunião de Moscou com números cada vez mais assustadores. Em quase cinco décadas, o número de mortes anuais em acidentes de trânsito havia aumentado mais de dez vezes, saltando de 3.356 em 1961 para 38.469 em 2009, segundo dados do Denatran e DATASUS.

Entre 1961 e 2000, o número de feridos nesses acidentes saltou 15 vezes, de 23.358 para 358.762, de acordo com as mesmas fontes. Em cinco décadas a proporção de mortes por 100 mil habitantes cresceu cinco vezes, indo de 4,6 em 1961 para 21,8/100.000 em 2010.

Diza Gonzaga, pela sociedade civil, e Otaliba Libânio, do Ministério da Saúde, representando o Brasil em Moscou (Foto Sérgio Neglia/Arquivo FTMG)

Diza Gonzaga, pela sociedade civil, e Otaliba Libânio, do Ministério da Saúde, representando o Brasil em Moscou (Foto Sérgio Neglia/Arquivo FTMG)

Diante dessa trágica contabilidade, a Conferência de Moscou representava uma grande oportunidade para o Brasil firmar uma agenda de ações estratégicas pela segurança no trânsito. Entretanto, apesar de ser uma Conferência Ministerial, o país não teve ministros na capital russa. A delegação brasileira foi chefiada pelo deputado federal Hugo Leal, autor do projeto que resultou na Lei nº 11.705, de 16 de junho de 2008, que ficou conhecida como ‘Lei Seca’ e formulada com o objetivo de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência de álcool.

Então em vigor há um ano, a ´Lei Seca` tornou-se o trunfo do Brasil na Conferência de Moscou, que teve a participação do presidente da Federação Russa, Dmitry Medvedev. Os promissores resultados imediatos da ´Lei Seca`, em termos de redução nos acidentes de trânsito no país, foram apresentados no evento por Otaliba Libânio de Morais Neto, na época chefe do Departamento de Análise de Saúde do Ministério da Saúde.

O brasileiro fez sua exposição na segunda sessão plenária da Conferência, sobre “Boas práticas em segurança viária”. Também falaram os ministros dos Transportes da Itália, Suíça, Gana e Vietnã, o ministro da Infraestrutura da Polônia e o chefe da Polícia Rodoviária da Nigéria.

“A ´Lei “Seca` tem mostrado um impacto positivo quando se trata de
redução de hospitalizações e mortes causadas pelo trânsito”, afirmou Morais Neto, apresentando vários dados que confirmavam o efeito imediato da ´Lei Seca`. Ele citou que no primeiro semestre de 2008 foram registradas 5.921 notificações por abuso de álcool, entre 38.310 testes realizados com bafômetro, segundo informações da Polícia Rodoviária Federal. No segundo semestre, com a nova legislação em vigor, foram 8.124 notificações contabilizadas, entre 321.061 testes realizados, indicando como a ´Lei Seca` já havia coibido o uso de álcool entre os motoristas.

O representante do Ministério da Saúde também citou dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), apontando para a queda no número de mortes em acidentes, após a entrada em vigor da ´Lei Seca`. No biênio 2007-2008, quando a frota nacional era de 49,6 milhões de veículos, foi de 1,36 a média de mortes em acidentes por 10 mil veículos. No biênio 2008-2009, considerando uma frota de 54,5 milhões de veículos (aumento de 9,8%), a média de mortes em acidentes por 10 mil veículos foi de 1,21, redução de 10,5%.

Otaliba Libânio Morais Neto observou que novos estudos e análises de tendências seriam necessários para continuar a monitorar e avaliar a ´Lei Seca`. Evidenciou ainda a necessidade de estabelecimento de “programas de educação continuada e comunicação para a promoção de hábitos seguros e saudáveis e comportamentos para reduzir riscos de lesões e mortes no trânsito”.

Otaliba de Morais Neto em sua apresentação na Conferência de Moscou (Foto Divulgação)

Otaliba de Morais Neto em sua apresentação na Conferência de Moscou (Foto Divulgação)

E concluiu sua apresentação defendendo que as políticas públicas de intervenção deveriam atuar “sobre os determinantes da segurança viária (modelo econômico, exclusão social, falta de ou transporte público inadequado, condições de trabalho, planejamento urbano, questões sociais, cultura, etc)” e que também deveriam “promover a solidariedade, o respeito entre os usuários de trânsito e vivendo juntos em paz”.

Estes foram justamente alguns princípios que, segundo as Nações Unidas, deveriam orientar a Década de Ação para a Segurança Viária. No período 2011-2020 o Brasil registraria alguns avanços, mas ainda longe da meta central da Década de Ação, de redução pela metade das mortes em acidentes de trânsito.

  1. Os números do Brasil durante a Década de Ação para a Segurança Viária

A ´Lei Seca` e outras medidas legais e administrativas continuaram repercutindo ao longo da Década de Ação para a Segurança Viária. Um estudo do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (CPES), da Escola Nacional de Seguros, concluiu que desde a entrada em vigor da `Lei Seca`, em 2008, teriam sido evitadas 41 mil mortes em acidentes de trânsito no Brasil, até o final de 2016.

Além desse impacto principal, de redução no número de mortes, o estudo apontou que “a economia brasileira teria evitado uma perda de produto de R$ 74,5 bilhões a preços de 2016″, considerando os gastos relativos a esse tipo de sinistro. O estudo “A Lei Seca, Impactos Econômicos e a Contribuição do Seguro” foi assinado por Natália Oliveira, Claudio Contador, Caroline Rodrigues, Pedro Silva e Juliana Couto.

Os autores lembraram que a ´Lei Seca` teve duas modificações, resultando na diminuição do limite permitido de consumo de álcool e no aumento de penalidades aos infratores desde a versão original, de 2008. A Lei 11.705 estabeleceu 0,1 mg/l como o limite da tolerância, de miligrama por litro de sangue, constatada pela presença de álcool no alvéolo. Previu ainda como penalidade multa de cinco vezes o valor da multa por infração gravíssima, além da suspensão do direito de conduzir.

Já a Lei 12.760, de 2012, estabeleceu o limite de 0,05 mg/l e como penalidade multa de dez vezes o valor da multa por infração gravíssima, com suspensão do direito de conduzir. E a Lei 13.281, de 2016, estipulou o limite de 0,05 mg/l e a recusa ao teste como infração gravíssima, com a multa de dez vezes a da infração gravíssima, além da suspensão do direito de dirigir.

Assim prosseguiu a Década de Ação para a Segurança Viária no Brasil, com os efeitos positivos da ´Lei Seca` e de iniciativas como o Projeto Vida no Trânsito (PVT), fruto de uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde e um consórcio de parceiros internacionais, começando em cinco capitais brasileiras ainda em 2010, sob a coordenação nacional do Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil com foco na redução de mortes e lesões graves no trânsito, a partir da qualificação das informações, das ações planejadas, desenvolvidas e executadas intersetorialmente.

As capitais estaduais envolvidas foram Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Palmas (TO) e Teresina (PI).  Depois das intervenções estipuladas no Projeto, em seu período piloto (2010-2014), foi identificado o cumprimento das metas nos indicadores de processo: criação de Comitês intersetoriais, instalação de mecanismos de redução de velocidade; maior controle de velocidade; aumento dos pontos de controle de alcoolemia (Concentração de Álcool no Sangue – CAS); aumento dos testes de alcoolemia e redução da positividade do CAS nos testes; redução das taxas de mortalidade por 100.000 habitantes em 3 das 5 cidades; redução das taxas de mortalidade para cada 10.000 veículos nas 5 cidades, risco reduzido de morte nas 5 cidades, acima do que ocorria em seus respectivos estados.

O modelo de sucesso do Projeto Vida no Trânsito se expandiu para as demais capitais estaduais brasileiras e, posteriormente, para mais de 50 outras cidades. Em 2016, o Projeto tornou-se um programa regular do Ministério da Saúde. “A colaboração da OPAS/OMS com essas cidades, junto ao Ministério da Saúde, consolidou um período de protagonismo da Saúde – antes, a Saúde costumava ficar relegada à atenção emergencial”, comenta o consultor Victor Pavarino.

“Esse envolvimento enriqueceu a abordagem da segurança viária, incentivando a integração das diversas áreas que atuam tradicionalmente com o tema, como segurança pública, gestão do trânsito, engenharias. Isso é muito gratificante. O sucesso de cada cidade envolve as especificidades de cada contexto. Mas poderíamos dizer que ingredientes comuns aos avanços dessas capitais incluem a qualificação da informação epidemiológica sobre os acidentes e as vítimas, a integração dos esforços intersetoriais e uma determinação da gestão local de enfrentar o problema”, acrescenta o consultor da OPAS/OMS.

Victor Pavarino, da OPAS/OMS, destaca protagonismo da Saúde na Década de Ação para a Segurança Viária (Foto Divulgação OPAS/OMS)

Victor Pavarino, da OPAS/OMS, destaca protagonismo da Saúde na Década de Ação para a Segurança Viária (Foto Divulgação OPAS/OMS)

Campo Grande, uma das primeiras capitais brasileiras a aderir ao Vida no Trânsito na fase piloto, teve o seu Gabinete de Gestão Integrada de Trânsito (GGIT), criado no âmbito do Projeto Vida no Trânsito, transformado em modelo para outras cidades. Belo Horizonte, também integrada desde o primeiro momento, viu uma expressiva queda no número de mortes por acidentes de trânsito em suas vias, de 262 em 2010 para 105 em 2019. A taxa de mortalidade por 10 mil veículos caiu de modo igualmente significativo, de 1,97 em 2010 para 0,47 em 2019, segundo dados da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A (BHTRANS).

Visando aprimorar ainda mais a gestão no trânsito, Belo Horizonte estabeleceu um Termo de Cooperação Técnica com Buenos Aires, na Argentina, e Montevidéu, no Uruguai, com a participação da OPAS/OMS. Foram implantados vários programas na capital mineira, e seus respectivos indicadores, como os de Gerenciamento de Velocidade, Jovem Condutor, Pedestre e o Beber e Dirigir.

Salvador (BA), uma das capitais que se integraram a partir do segundo momento, viu reduzido em mais da metade o número de mortes em acidentes de tráfego, de 266 em 2010 para 121 em 2017, significando então ter alcançado, três anos antes do prazo previsto, a meta de redução de mais da metade dos óbitos no trânsito, estabelecida no início da Década de Ação.

O sucesso alcançado por Salvador, após a entrada em vigor do PVT, deveu-se a medidas de gestão como a criação do Comitê do Vida no Trânsito, a ações articuladas entre os diversos setores relacionados ao trânsito e a intervenções no sistema viário, como a adoção do traffic calming em bairros como Barra, Rio Vermelho e Pituba e o redesenho de vias como a Avenida Afrânio Peixoto (Suburbana). Foi igualmente implementado o Programa Crianças Condutoras do Futuro, que teve a participação de mais de 30 mil alunos da Educação Infantil ao quinto ano do Ensino Fundamental desde 2014.

Em razão das mudanças legais e iniciativas do poder público e sociedade civil, o Brasil se credenciou para sediar a Segunda Conferência Ministerial Global sobre Segurança no Trânsito, que aconteceu em Brasília, nos dias 18 e 19 de novembro de 2015. A Conferência de Brasília representou avanços em relação ao encontro de Moscou, em 2019, como pode ser verificado nas declarações finais dos dois eventos.

Por exemplo, na Declaração de Moscou a palavra “risco” foi mencionada apenas uma vez, sendo estes dos riscos apontados para a ocorrência de acidentes de trânsito: velocidade; beber e dirigir, cinto de segurança, mecanismos de retenção para crianças; capacetes; veículos velhos sem manutenção ou dispositivos de segurança; infraestruturas que não protegem pedestres; ausência ou insuficiente fiscalização e atenção ao trauma.

A Declaração de Brasília, por sua vez, cita a palavra “risco” onze vezes, acrescentando, em relação à Declaração de Moscou, as “condições médicas e medicamentos que afetam a direção segura; fadiga; uso de narcóticos, drogas psicotrópicas e substâncias psicoativas; telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos e de mensagens de texto; distrações visuais nas vias”, segundo estudo comparativo realizado por Victor Pavarino, da OPAS/OMS.

O consultor da OPAS/OMS ressalta ainda que, na questão da equidade, a Declaração de Moscou “aponta impactos em segmentos mais carentes nos países menos desenvolvidos, mas não menciona a equidade diretamente”. Já a Declaração de Brasília “explicita em 3 momentos a condição desproporcional da exposição de dos mais vulneráveis e relação das lesões/mortes no trânsito com ciclo de pobreza”.

“A Declaração de Brasília implicou em quase um ano de negociação entre Estados Membros que, até mesmo pelo seu envolvimento em prolongadas discussões, se sentissem também mais “proprietários” e comprometidos com o documento a que aderiram”, lembrou Pavarino. Ele também recorda que a Conferência de Brasília foi realizada no ano que sacramentou a Agenda 2030, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deveriam ser atingidos até 2030.

De acordo com o consultor da OPAS/OMS, a influência da Agenda 2030 na Declaração de Brasília foi “capital para marcar a relevância e a recorrência de temas relacionados à sustentabilidade, em que o desenvolvimento urbano e o transporte público recebem menção e atenção privilegiadas. O trânsito, percebido no escopo mais amplo da mobilidade urbana (políticas de circulação, de transportes e de uso de solo), tem sua indissociabilidade dos transportes púbicos ratificada. Por fim, o papel do setor saúde em áreas mais tradicionais (atenção ao pós-trauma, notificações, padronização de indicadores, coleta e sistematização de dados) expandiu-se, na medida em que a própria importância dada à sustentabilidade sinalizou ações potencias relacionando o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis às políticas de trânsito e de transportes”, destaca Victor Pavarino.

José Aurélio Ramalho faz apresentação na Conferência de Brasília (Foto Divulgação Observatório Nacional de Segurança Viária)

José Aurélio Ramalho faz apresentação na Conferência de Brasília (Foto Divulgação Observatório Nacional de Segurança Viária)

Uma das organizações que participaram ativamente da Conferência de Brasília foi o Observatório Nacional de Segurança Viária, criado logo no início da Década de Ação por José Aurélio Ramalho, um dos participantes da Conferência de Moscou em 2009. “Percebi que apenas um forte envolvimento da sociedade civil levaria a mudanças concretas”, assinala Ramalho, diretor-presidente do Observatório, instalado na cidade de Indaiatuba, na região de Campinas (SP) e reconhecido em abril de 2013 como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e em abril de 2016 como Organização Consultiva do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas. Entre as iniciativas do Observatório está a criação do movimento Maio Amarelo, que ganhou dimensão nacional e internacional.

A Conferência de Brasília confirmou a mobilização de vários setores para a melhoria das condições de trânsito no Brasil, durante a Década de Ação para a Segurança Viária, como explicitam as iniciativas realizadas no período. Entretanto, os números verificados ao longo da Década ratificam que as mortes em acidentes de trânsito ainda representam enorme desafio em saúde pública no país. Foram 44.554 óbitos em acidentes em 2011, no início da Década, e de 31.307 em 2019, último ano com dados consolidados, segundo o DATASUS.

São números que não deixam dúvidas quanto à magnitude do drama representado pelas mortes em acidentes de trânsito no país. E na fria contabilidade dos dados numéricos, alguns deles chamam a atenção:

Aumento expressivo no número de mortes de motociclistas – Um dado assustador verificado na Década de Ação para a Segurança Viária no Brasil foi o aumento no número de mortes de motociclistas em acidentes, evoluindo de 8.000 em 2007 para 10.000 em 2010, chegando à faixa de 12.000 por ano entre 2012 e 2017, para cair um pouco para 11.000 em 2018, aproximadamente, segundo o DATASUS.

“As políticas econômicas privilegiaram o aumento no número de motos, com a redução de impostos e incentivo à criação de fábricas, por exemplo na Amazônia”, observa Otaliba Libânio de Morais Neto, que representou o Brasil na Conferência de Moscou pelo Ministério da Saúde e agora atua como professor e pesquisador na Universidade Federal de Goiás, junto ao Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública.

O especialista nota que a motocicleta foi “uma alternativa que a população encontrou para a mobilidade, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, em razão dos custos e do transporte coletivo de baixa qualidade”. E acrescenta que, “por ser um veículo inseguro e muitas vezes mal utilizado, a consequência é o grande número de mortes”.

De fato, o crescimento da frota de motocicletas chegou a 250% na Região Nordeste e a 240% na Região Norte, no período de 2007 a 2019, enquanto a população dessas regiões cresceu cerca de 10% e 15%, respectivamente, segundo dados do IBGE e Abraciclo.

Dados da Seguradora Lider, por outro lado, confirmam que a maior vítima de acidentes fatais com motocicletas é o próprio condutor, ao contrário do que ocorre com os acidentes com outros tipos de veículo. Entre 2008 e  2018, 144.523 indenizações foram pagas no caso de mortes do condutor em acidentes com motos, enquanto o mesmo tipo de acidentes levou a 30.732 indenizações pagas por óbitos do passageiro e a 24.498, no caso de pedestres. Já os acidentes com automóveis resultaram, no mesmo período, no pagamento de 95.190 indenizações pagas por mortes de passageiros, 55.677 por óbitos de pedestres e 66.078, por óbitos do próprio condutor.

Otaliba de Morais Neto entende que, para mudar esse quadro, é fundamental a substancial melhoria no transporte coletivo, com preços justos pelas passagens. E também observa que é preciso “melhorar a convivência da moto com outros veículos nas grandes cidades, com maior disponibilidade de faixas exclusivas e espaço para as motos nos semáforos antes dos carros”.

Professor de Segurança Viária na Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Antonio Celso Fonseca de Arruda entende que a de motociclista é “uma profissão perversa”. Ele defende que as motos de entrega deveriam ser de propriedade e responsabilidade da empresa e que pizzas e outros produtos de delivery deveriam ser entregues em carrinhos especiais. As motos seriam usadas em casos emergenciais. “Às vezes é exigido um tempo mínimo perverso para o motociclista chegar ao destino”, ele lamenta.

“Os motociclistas correm e se colocam em risco porque alguém mandou eles correrem, e não por vontade própria. Para entregar uma pizza em 20 minutos, por exemplo”, comenta a especialista em mobilidade urbana Glaucia Pereira. Como outros especialistas do setor, ela defende, portanto, uma radical modificação na forma como a sociedade em geral trata a situação dos motociclistas, como uma das premissas para a urgente redução do número de mortes em acidentes com esse tipo de veículo no Brasil.

Jovens são a maioria das vítimas fatais – Outro aspecto inquietante é que os jovens de 18 a 34 anos representam a grande maioria dos óbitos em acidentes de trânsito no Brasil, sobretudo em caso da mistura letal envolvendo volante e bebida alcoólica. Contribuir para que essa triste estatística mude foi um dos motivos da criação da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, de Porto Alegre.

“Em uma madrugada fui recolher o meu filho no asfalto. Eu fui levá-lo a uma festa e ele embarcou de carona em uma viagem sem volta. Para evitar que outros jovens morressem de forma estúpida eu e meu marido criamos a Fundação com o nome do nosso filho”, lembra Diza Gonzaga, fundadora e presidente da instituição.

Desde 1996, a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga tem feito várias campanhas pelo trânsito seguro e consciente entre os jovens. No segundo semestre de 2017, a Fundação promoveu uma pesquisa, com apoio da Uber, sobre o comportamento da juventude em relação ao volante e ao uso de álcool. A pesquisa foi executada pelo Núcleo de Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência – FAMECOS/PUCRS.

Uma das constatações foi a de que, apesar de consciência dos perigos da mistura de bebida e direção, entre os jovens que dirigem, 41,6% declararam já ter dirigido depois de beber. Ainda segundo a pesquisa, 79,3% dos jovens se manifestaram “totalmente favoráveis” à ´Lei Seca`. De modo geral, os jovens afirmam que souberam dos riscos de beber e dirigir através da família (60,7%), da mídia (57,3%) e das campanhas (44,4%).

Outra revelação foi a de que 62% dos jovens se consideram mais conscientes que a geração de seus pais. A pesquisa também mostrou que, para 85% dos jovens entrevistados, utilizar aplicativos se tornou a melhor forma de voltar para casa depois de consumir bebida alcoólica.

Em um país em que “as políticas públicas priorizam há tanto tempo os automóveis, vemos uma juventude cada vez mais cobrando investimentos em meios alternativos”, observa Diza Gonzaga. “Muitos jovens-adultos estão optando por “não” ter seu carro próprio, estão se locomovendo em bicicletas, skates, transporte coletivo e cada vez mais fazendo uso de aplicativos”, ela acrescenta.

“Temos uma geração mais consciente, que compreende que cada um dos atores do trânsito tem seu espaço e que a melhor e mais segura legislação é o respeito à vida. Uma juventude que quer se divertir, mas que também quer ter garantido o direito de ir e vir em segurança, sem que isso signifique ficar no meio do caminho”, diz a fundadora e presidente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, um dos destaques da atuação da sociedade civil na Conferência que sacramentou a realização da primeira Década de Ação para a Segurança Viária.

Alto número de mortes de idosos – Apesar da maior parte das mortes em acidentes de trânsito no Brasil ser de jovens, continua alto o número de óbitos de idosos nessas condições. Foram mais de 70 mil óbitos de brasileiros com 60 anos ou mais desde 2006, segundo dados do DATASUS.

“Durante a fase de envelhecimento, são comuns distúrbios oculares (cataratas, degeneração muscular, glaucoma e diabetes melito), demência (incluindo Alzheimer e doença de Parkinson), artrite e várias doenças cardiovasculares, além de condições cerebrovasculares como angina, hipertensão arterial coronariana e reumática, ataques isquêmicos transitórios (mini-AVC) ou acidentes vasculares cerebrais (AVCs ou AVCs completos)”, nota Paulo César Pêgas Ferreira, em estudo formulado para o IPEA.

“Muitas dessas condições de saúde provavelmente afetam a capacidade de uma pessoa de atravessar a rua com segurança. Com a saúde em declínio, há ainda uma probabilidade aumentada de que os idosos também tomem um ou mais medicamentos que venham a afetar sua capacidade de usar uma estrada ou via urbana com segurança. Além disso, nem todos esses medicamentos têm mensagens claras e compreensíveis de sua provável influência na mobilidade, principalmente no desempenho de pedestres”, adverte Pêgas Ferreira.

Gastos bilionários com acidentes de trânsito – Mais um dado expressivo está relacionado aos gastos bilionários associados aos acidentes de trânsito. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), publicado em setembro de 2020, mostrou que, entre 2007 e 2018, e com valores atualizados, o Brasil gastou com acidentes de transporte R$ 1,584 trilhão, um valor equivalente a quase duas vezes a redução de gastos esperada com a reforma da Previdência então recém-aprovada. Ou seja, foram consumidos cerca de R$ 132,028 bilhões em média por ano no período, com gastos associados aos acidentes, com mortes ou não.

“Entende-se que o momento é oportuno para uma ampla discussão e para se decidir o que é aceitável em termos de mortes e acidentes graves em transportes no Brasil”, afirma Paulo César Pêgas Ferreira, que assina o estudo “Impactos socioeconômicos dos acidentes de transporte no Brasil no período de 2007 a 2018“. “A única resposta considerada razoável é que a meta deve ser zero mortes, como definido em alguns países da Europa, por exemplo”, sustenta Pêgas Ferreira, que é consultor no contrato entre a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe/Organização das Nações Unidas (CEPAL/ONU) e o IPEA, além de professor na Fundação Dom Cabral e no Ibmec-Rio.

Acidentes com caminhões – Outro desafio relevante, reiterado durante a Década de Ação para a Segurança Viária, está relacionado aos acidentes com caminhões, que transportam 60% das cargas no Brasil. Estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que entre 2007 a 2018 foram registrados 570.029 acidentes nas rodovias federais brasileiras, envolvendo pelo menos um caminhão, o que representa 33,1% dos 1.721.609 acidentes no período.

Considerando somente os acidentes com vítimas entre 2007 e 2018, foram contabilizados 187.489 acidentes em rodovias federais com envolvimento de ao menos um caminhão, o que representa 24,8% de todos os acidentes com vítimas (756.732) ocorridos no país. Ainda segundo a pesquisa, entre 2007 e 2018 morreram 38.040 pessoas vítimas de acidentes em que pelo menos um caminhão esteve envolvido. Essas 38.040 mortes representam 42,9% do total de mortes (88.749) ocorridas nas rodovias federais brasileiras.

O estudo “Acidentes Rodoviários – Estatísticas envolvendo caminhões” da CNT lembra que muitos setores da economia brasileira “dependem quase que exclusivamente dessa movimentação feita por caminhões, seja ela de mercadoria, seja ela de insumos, incluindo combustíveis, alimentos, remédios, água, gás etc”.

Neste cenário, a CNT nota que, “expostos a jornadas de trabalho, muitas vezes, exaustivas, os caminhoneiros trabalham em situações de risco, em que a falta de segurança e o tempo longe dos seus familiares são os principais pontos negativos de sua profissão. O risco de roubo e assalto é algo que prejudica muito esses profissionais, que lidam com esse tipo de problema quase que diariamente. Muitos deles chegam até a recusar viagens por conta do risco ao qual estarão expostos. Esses profissionais rodam, em média, 9.561,3 quilômetros por mês e chegam a trabalhar mais de oito horas por dia, em seis dias por semana. A idade média da frota dos caminhões que utilizam é de 15,2 anos”.

Em relação à sua saúde, acrescenta o estudo, os motoristas de caminhão “sofrem de problemas de pressão alta, de visão e com dor de cabeça constante. Muitos deles encontram-se acima do peso ideal. Além disso, lidam com uma série de problemas relacionados ao desconforto – dormem dentro do caminhão, alimentam-se mal, passam horas dirigindo, entre outros. É comum que esses profissionais durmam pouco e tenham um sono com má qualidade”. A CNT cita que, a partir das 8 horas de trabalho, os riscos para o motorista de caminhão aumentam muito, dobrando com 12 horas de jornada e aumentando três vezes com 14 horas de trabalho sem pausa.

“Algumas medidas podem estimular a maior segurança, com foco na postura do profissional do transporte. Cuidar bem da saúde, planejar melhor a atividade, respeitar leis e normas são algumas delas. Algumas recomendações podem contribuir, efetivamente, para reduzir os índices de acidentes e de mortes nas rodovias federais brasileiras”, defende a CNT.

A precariedade de grande parte das rodovias brasileiras também é ressaltada no estudo, como um dos grandes fatores de risco de acidentes envolvendo caminhões no Brasil. “As deficiências na infraestrutura rodoviária do Brasil contribuem para a insegurança. Há sérios problemas no pavimento, a sinalização apresenta falhas graves, e o traçado de muitas pistas também favorece esse cenário”, evidencia a CNT, que defende então melhorias substantivas na qualidade física e gestão as rodovias brasileiras como um dos ingredientes essenciais das estratégias de redução de acidentes no país.

Vania Schoemberner, da Criança Segura, pede "visão sistêmica" sobre o trânsito (Foto Divulgação Criança Segura)

Vania Schoemberner, da Criança Segura, pede “visão sistêmica” sobre o trânsito (Foto Divulgação Criança Segura)

Sociedade civil tem vitórias na proteção das crianças, mas luta por mais avanços

No dia 12 de abril entrará em vigor a Lei nº 14.071, de outubro de 2020, que introduziu mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Entre as alterações, passa a valer a obrigatoriedade de que as crianças de até 10 anos de idade, que não tenham atingido 1,45 metro, devam ser transportadas no banco traseiro do veículo, acomodadas em dispositivos de retenção apropriados para a idade e peso, como cadeirinhas, assentos de elevação ou bebês conforto.

A nova legislação também manteve a multa para os motoristas que transportarem crianças em veículos sem o uso desses dispositivos. Descumprir as novas regras é caracterizado como infração gravíssima, com perda de 7 pontos na carteira, multa de R$293,47 e ainda há a possibilidade de retenção do veículo.

A manutenção da penalidade foi obtida após a luta da sociedade civil por ocasião do debate sobre as mudanças no CTB no Congresso Nacional. As organizações também obtiveram outra vitória, a obrigatoriedade de que apenas crianças com mais de 10 anos possam ser transportadas em motocicletas. Como ficou evidenciado pelas estatísticas, aumentou de forma expressiva o número de acidentes e de mortes com pessoas transportadas por motocicletas no Brasil.

A própria ´Lei da Cadeirinha´, como ficou conhecida e entrou em vigor em 2008, foi uma conquista da sociedade civil. Os reflexos dessa lei foram observados ao longo da Década de Ação para a Segurança Viária. Em 2001, foi de 2.490 o número de mortes de crianças de 0 a 14 anos em acidentes de trânsito no Brasil.

A partir de 2008 a redução do número de óbitos tem sido constante, de 1.937 em 2009 para 1.010 casos em 2018, 53% dos quais, ou 534, tendo sido registrados quando as crianças estavam na condição de ocupantes de veículo. Em 27,5% dos casos, ou 278, as mortes das crianças foram em função de atropelamentos.

A gerente executiva da organização Criança Segura, Vania Schoemberner, destaca a relevância da queda nos números, mas acentua que é possível alcançar muito mais. “É preciso olhar para a criança como parte desse sistema complexo que é o trânsito. Um trânsito mais seguro para todos beneficia as crianças”, ela comenta.

Ela entende que ainda existem muitos desafios para que os dispositivos de proteção das crianças de até 10 anos sejam utilizados e de forma correta. “Ainda há questões culturais. Pessoas achando que acidentes não acontecem com elas, mas com outros. Que é possível transportar de crianças sem a devida proteção porque o trecho a ser percorrido é pertinho. A cultura da prevenção não é muito comum no Brasil”, adverte. “É preciso lembrar, sempre, que uma batida pode ser fatal para as crianças, pela sua estrutura física mais frágil”, completa a gestora da Criança Segura.

Ela nota que é preciso muito cuidado, por exemplo, no transporte da criança até a escola e vice-versa. “Não basta colocar a criança no dispositivo, isso deve ser feito de forma correta. O cinto deve estar afivelado, não frouxo, o dispositivo deve ser adequado para o peso e a idade e instalado corretamente, de acordo com o manual”, frisa.

Vania Schoemberner acredita que é possível melhorar a sinalização e a fiscalização no trânsito. “A fiscalização e a certeza da punição inibem, podem levar a mudanças de atitude. Se a pessoa leva o filho sem o devido cuidado para a escola e nunca é fiscalizado, pode continuar com a atitude errada”, ela avisa.

A gestora da Criança Segura entende que é muito importante um maior e contínuo investimento em educação para o trânsito, visando “um trânsito mais gentil”. Que a criança tenha em sua formação uma maior noção de como funciona o trânsito é igualmente relevante, mas lembra que “o papel de proteção do adulto não deve ser tirado, não se pode transferir para a criança a responsabilidade por essa proteção”. Ela se diz otimista com a possibilidade de novos avanços, mas reitera a necessidade de uma “visão sistêmica” sobre o trânsito.

3. O comportamento do Brasil quanto aos pilares da Década de Ação para a Segurança Viária

O comportamento do Brasil em relação aos pilares propostos pelas Nações Unidas para a Década de Ação para a Segurança Viária ajuda a explicar os números ainda brutais envolvendo os acidentes de trânsito no país. A ONU propôs esses pilares, que deveriam ser observados pelo conjunto de país em suas estratégias e em seus planos nacionais de redução de acidentes e das mortes: Gestão, Infraestrutura adequada, Veículos Seguros, Comportamento e segurança do usuário e Cuidados após o acidente.

Com base nesses pilares e nas sugestões da OMS, a agência das Nações Unidas que coordenou a Década, organizações brasileiras construíram uma proposta adaptada à realidade nacional. Foi o Plano Nacional de Redução de Acidentes para a Década 2011-2020, elaborado sob a liderança da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), Instituto de Engenharia de São Paulo e  Conselho Estadual para Diminuição do Acidente de Trânsito e Transporte do Estado de São Paulo (CEDATT).

A proposta do Plano contemplava seis pilares estratégicos, com os respectivos planos, objetivos e ações: Sistema de Gestão, Fiscalização, Educação, Saúde, Segurança Viária e Segurança Veicular. A performance do país em relação aos pilares e ações do Plano Nacional auxilia na compreensão sobre os resultados alcançados pelo Brasil na Década de Ação e também aponta os desafios que permanecem para que a segurança viária seja efetivamente alcançada nas ruas, avenidas e rodovias brasileiras.

Sistema de Gestão – A primeira ação do Plano Nacional, considerada prioritária, a criação da autarquia Denatran, como uma agência “com estrutura organizacional e recursos financeiros compatíveis com o papel de articulação, coordenação e fomentos de programas de engenharia, fiscalização e educação para o trânsito”, não foi alcançada, o que para vários especialistas foi um dos fatores que dificultaram maiores avanços no Brasil relacionados aos objetivos da Década de Ação para a Segurança Viária.

“É fundamental uma agência com peso político, que lidere e coordene as ações nacionais, para que sejam alcançados avanços maiores na redução das mortes no trânsito”, defende Otaliba Libânio de Morais Neto. Ele entende que as atuais estrutura e configuração do Denatran, como um departamento da Secretaria Nacional de Transportes Terrestres (SNTT ) do Ministério da Infraestrutura (Minfra), não lhe permitem o necessário papel de liderança.

Morais Neto observa que “todos os países que mais avançaram em termos da segurança viária contam com uma agência nacional forte”, com autonomia e recursos necessários, como nos casos da Espanha com a Dirección General de Tráfico (DGT) e da Suécia com a Trafikverket, a Administração Sueca de Transportes. Na América Latina, ele cita como exemplos a Argentina com a Agencia Nacional de Seguridad Vial e a Costa Rica, com o Consejo de Seguridad Vial (Cosevi).

Igualmente defensor da criação de uma agência nacional com o devido poder, o deputado Hugo Leal, autor do projeto da ´Lei Seca`, observa que a pulverização do tema em diferentes órgãos do governo federal e outras esferas dificulta a coordenação e articulação de ações. A questão do trânsito e da segurança viária é hoje tratada pelo Denatran no Ministério da Infraestrutura, Polícia Rodoviária Federal no Ministério da Justiça e pelo Ministério de Desenvolvimento Regional, lembra o parlamentar.

O diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho, entende que a descontinuidade de ações e políticas e na liderança de ambas também dificulta maiores avanços. ” A alternância no comando do trânsito é muito grande, e um dificultador”, comenta. Ramalho também pede uma agência “realmente com poder, para que não sofra pressões do governo”.

Deputado Hugo Leal defende agência nacional forte para liderar a agenda do trânsito no Brasil (Foto Divulgação)

Deputado Hugo Leal defende agência nacional forte para liderar a agenda do trânsito no Brasil (Foto Divulgação)

A criação de uma autarquia, com o nome Denatran e com “personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira”, chegou a ser objeto de um Projeto de Lei do Executivo, de número 5453/2005 e assinado pelos ministros Olivio Dutra (Cidades) e Paulo Bernardo (Planejamento). O PL foi discutido e aprovado por todas as Comissões da Câmara dos Deputados e encaminhado a 16 de março de 2007 para a Mesa Diretora do Senado Federal. Não houve prosseguimento da discussão no Senado, ao longo de toda a Década de Ação para a Segurança Viária, e o Projeto de Lei foi arquivado ao final da 54ª Legislatura, conforme publicação no Diário do Senado Federal, Ano LXIX – Sup. I ao nº 210, de 23 de dezembro de 2014. Com isso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assinou a 18 de março de 2019 o arquivamento do projeto.

Outra ação prevista no Plano Nacional de Redução de Acidentes para a Década 2011-2020, a municipalização do trânsito, foi parcialmente alcançada. Dos 5570 municípios brasileiros, pouco mais de 1700 já aderiram à municipalização, integrando-se portanto ao Sistema Nacional de Trânsito. O Rio Grande do Sul apresenta a maior proporção de municipalização. Dos 497 municípios gaúchos, 481 municipalizam o trânsito. Minas Gerais, por outro lado, que tem 853 municípios, conta com apenas 81, ou menos de 10%, com trânsito municipalizado.

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 24, estipula 21 competências “aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição”. Assim, se cumprirem os requisitos para a adesão ao Sistema Nacional de Trânsito, os municípios passam a ter responsabilidades e papel em ações nas áreas de planejamento, projeto, operação, fiscalização e aplicação de penalidades, no perímetro urbano e também em relação às estradas municipais.

“É muito importante que os municípios se empoderem, pois podem ser muito efetivos em questões como redução de velocidade. E os resultados são fantásticos quando estados e municípios atuam em conjunto, como ocorreu por exemplo em Campo Grande”, comenta Otaliba Libânio de Morais Neto.

No dia 15 de dezembro de 2020, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) emitiu a Resolução 811, estabelecendo novos procedimentos para a integração dos municípios ao Sistema Nacional de Trânsito (SNT). A medida entrará em vigor em 3 de maio de 2021.

Mais uma ação prevista na área da gestão, a estruturação de um Registro Nacional de Estatística de Acidentes de Trânsito (RENAEST), visando organizar dados de acidentes de trânsito confiáveis de todo o território nacional e padronizar a coleta e processamento estatístico das informações de trânsito, também não foi concretizada, estando somente agora perto da implementação. Para os especialistas do setor, este é um dos grandes desafios em termos de gestão, visando a redução dos acidentes no Brasil.

Otaliba Libânio de Morais Neto defende a ampliação da base de dados existentes, integrando as informações coletadas pelo Ministério da Saúde, Polícia e IML, por exemplo. “Há um grande ganho de qualidade com a integração e aumento da cobertura das informações”, afirma o professor da Universidade Federal de Goiás.

A metodologia da Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe que seja oficializada como morte por acidente de trânsito o óbito registrado em até 30 dias após a ocorrência, considerando que a maior parte das mortes acontece nesse período. Entretanto, muitas vítimas morrem depois desse prazo, lembra Morais Neto.

O especialista entende que é possível construir uma base estatística considerando dados como o local do acidente, as condições da via em que ele ocorreu, como estava a sinalização viária e a situação das pessoas e dos veículos envolvidos, entre outros. Com essas informações seria possível obter “uma visão mais completa do que seria necessário fazer de intervenção em cada local, reduzindo-se os riscos de acidente”. Para ele, com as tecnologias existentes seria totalmente viável a estruturação dessa ampla base de dados.

Em 2020, com efeito, o Denatran acelerou a implantação do RENAEST, com a realização de um diagnóstico sobre a coleta e disponibilização de dados sobre acidentes de trânsito em todas as unidades da Federação. A metodologia construída prevê a disponibilização através do RENAEST de dados das pessoas envolvidas no acidente, da via em que o fato ocorreu, do acidente em si e dos veículos envolvidos, ou seja, compondo uma matriz muito próxima à defendida por especialistas como Otaliba Libânio de Morais Neto.

A previsão do Denatran é a de que até abril de 2022 o RENAEST esteja completamente implantado. Os estados de São Paulo, Rondônia e Roraima já integraram os seus dados ao RENAEST. São Paulo foi o pioneiro, com a criação do Infosiga. Em 15 de dezembro de 2020 o Contran publicou a Resolução 808, regulamentando o RENAEST.

Um estudo elaborado por Flavio Soares, pela organização Ciclocidade, e Glaucia Pereira, pela Cidadeapé, reforçou a necessidade de maior integração entre as bases de dados sobre o trânsito. O estudo avaliou as informações de “oito bases distintas de dados de saúde relacionados a vítimas de trânsito de forma a compreender suas relações, documentou suas características e a melhor forma de chegar a elas, visando facilitar sua compreensão por meio de ferramentas de visualização de dados”. O estudo, relacionado aos dados referentes a acidentes na cidade de São Paulo, foi desenvolvido no âmbito do projeto Global Road Safety Partnership da Ciclocidade e apresentado no Arena ANTP, realizada pela Associação Nacional dos Transportes Públicos em setembro de 2019, na capital paulista.

O estudo “Diagnóstico e comunicação de dados de saúde para segurança viária” considerou as informações sobre vítimas de acidentes de trânsito encontradas nessas fontes: Corpo de Bombeiros, Infosiga, Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre – DPVAT, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, Sistema de Acidentes de Trânsito – SAT-CET, Sistema de Informações de Mortalidade – SIM, Sistema de Informações Hospitalares do SUS – SIH, Sistema de Informações para Vigilância de Violências e Acidentes – SIVVA. Segundo os autores, as bases de dados brutos da CET, SIVVA, SAMU e DPVAT foram solicitadas por Lei de Acesso à Informação.

Os autores do estudo observam: “Diversas bases de dados registram ocorrências de mortes e pessoas feridas no trânsito. Há muitas fontes, com graus distintos de abrangência e confiabilidade. As bases, porém, cobrem momentos específicos e muitas vezes não se conversam, evidenciando que podem faltar informações sobre parte das vítimas. Assim, acompanhar dados de vítimas do trânsito e como se relacionam ao sistema de saúde não é tão simples quanto parece”.

A falta de integração de dados traz muitas consequências, mostra o estudo. “Ainda não sabemos ao certo o que acontece com estimados um terço a metade das vítimas, que são registradas nas ocorrências com vítima pela CET (SAT) mas não pelo Sistema Único de Saúde (SUS). São pessoas que podem ter sofrido ferimentos leves e não precisaram de qualquer tipo de atendimento; que deram entrada por conta própria em algum sistema de saúde não conveniado ao SUS; ou mesmo deram entrada em hospitais de outras cidades. A diferença é tão grande que nem seu tamanho é possível precisar”.

Os autores acrescentam: “As bases de dados existentes sobre vítimas do trânsito não estão interligadas, não sendo possível extrair dados relacionados à gravidade das vítimas. Tal limitação faz com que o planejamento de ações relacionadas à redução de mortes seja feito ou com base apenas em vítimas fatais, o que possui escopo limitado, ou com base em todas as vítimas (fatais e feridas), o que amplia demais o escopo ao incluir dados de vítimas com ferimentos leves”.

Reiteram, então, a importância da “conversa” entre as fontes, e considerando a realidade de São Paulo afirmam: “Idealmente, o planejamento e a priorização de ações deveriam ser feitos a partir dos dados de vítimas fatais e das vítimas em estado grave. Para isso, é preciso interligar principalmente as bases da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo) e do SAMU. Se possível, interligá-las também às base do SIH-SUS e do SIVVA. Uma vez que o Corpo de Bombeiros não possui base de dados de atendimentos a ocorrências de trânsito específica para a cidade de São Paulo, seria interessante incentivar tal seccionamento e, se possível, também interligá-la às outras”.

Bacharel em Física pela USP e mestre em Administração de Empresas com ênfase em métodos quantitativos, também pela USP, Glaucia Pereira é fundadora da Multiplicidade Mobilidade Urbana. Ela nota que de fato não há dados centralizados sobre o trânsito, o que dificulta as análises e o planejamento. Muitos dados demoram para ser consolidados, observa, lembrando que o Infosiga, criado pelo governo de São Paulo, tem dados mais atualizados, mas incompletos. “Não se sabe as condições em que a pessoa morreu, o sexo. Parece que há uma guerra de números”, ela sintetiza.

Diza Gonzaga no lançamento da Escola Pública de Trânsito (Foto Felipe Dalla Valle/ Palácio Piratini)

Diza Gonzaga no lançamento da Escola Pública de Trânsito (Foto Felipe Dalla Valle/ Palácio Piratini)

Educação – O Plano Nacional de Redução de Acidentes para a Década 2011-2020, formulado sobre a liderança da ANTP, previa várias ações relacionadas à educação, voltadas para a sociedade em geral, para a esfera escolar e em termos da formação de condutores.

Uma nova perspectiva para a educação no trânsito, no âmbito das escolas, foi aberta com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deveria entrar em vigor efetivamente em 2020, o que não ocorreu da forma apropriada em função da pandemia. O texto da BNCC assinala que “cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora. Entre esses temas, destacam-se: direitos da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/1990), educação para o trânsito (Lei nº 9.503/1997)”. 

Enquanto a BNCC não é devidamente implantada, ocorrem as iniciativas pontuais, como a Escola Pública de Trânsito, lançada no final de 2019 pelo governo do Rio Grande do Sul e voltada para a capacitação de diferentes públicos, por meio de cursos, palestras e outras atividades. Em razão da pandemia a efetiva implantação foi adiada, mas o programa foi adaptado e foi lançada inicialmente a Escola Pública de Trânsito no formato virtual, com o oferecimento de vários cursos on-line.  

“O objetivo é atingir crianças, adultos, professores, centros de formação de condutores”, explica Diza Gonzaga, a idealizadora da Fundação Thiago Gonzaga e atual diretora institucional do DetranRS. “A nossa preocupação não é apenas com a tradicional decoreba dos sinais, mas que as pessoas realmente se apropriem do conceito de preservação da vida”, completa Diza, que se se favorável “a uma direção preventiva, mais do que defensiva”.

Uma das linhas de atuação da Escola Pública, ressalta a diretora do DetranRS, será evidenciar o papel das mulheres no trânsito, propiciando portanto uma perspectiva de gênero para o debate em torno das estratégias de redução de acidente. “As mulheres têm o instinto de preservação da vida e as estatísticas mostram que a imensa maioria dos acidentes ocorre com homens na direção”, observa.

Para colocar em prática essa visão, a Escola Pública de Trânsito contará, entre outras ações, com uma “ônibas”, no lugar do “õnibus”, masculino.  A “ônibas”, que transportará crianças para os cursos presenciais na Escola, quando for possível, foi pintada com cores diferenciadas e com cílios longos em torno dos faróis. O veículo foi doado pela Marcopolo, uma das maiores fabricantes do setor no mundo. “Existem mitos que devem ser descontruídos, como o presente na frase ´mulher no volante, perigo constante`. Os números e a realidade mostram que isso não é verdade, mas é preciso combater essas visões ultrapassadas”, destaca Diza Gonzaga.

Outra iniciativa é o Programa Educa, desenvolvido pelo Observatório Nacional de Segurança Viária e que contemplou a produção de material didático seguindo orientações da BNCC. O material foi doado ao Denatran e foi objeto de diálogo em setembro de 2020 entre os ministros da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e da Educação, Milton Ribeiro.

Melhor capacitação para a direção à noite, desafio permanente (Foto Adriano Rosa)

Melhor capacitação para a direção à noite, desafio permanente (Foto Adriano Rosa)

Em termos da formação de condutores, o Brasil ainda tem longo caminho pela frente, como destaca Antonio Celso Fonseca de Arruda, professor de Segurança Viária na Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. “Os centros de formação de condutores tendem a formar alunos não efetivamente habilitados. Para obter uma habilitação, por exemplo, o candidato não dirige na estrada e em condições adversas, por exemplo em uma rampa de paralelepípedo molhada para estacionar. Na Alemanha, o candidato precisa fazer isso, dirigir à noite e estacionar em rampa inclinada”, explica o docente da Unicamp, que defende portanto melhorias concretas na formação de condutores.

A Lei nº 14.071, que entrará em vigor em abril de 2021 e que introduziu alterações no Código de Trânsito Brasileiro, acabou com a obrigatoriedade de aulas noturnas na primeira Habilitação dos condutores.

Saúde – Do mesmo modo, várias ações foram previstas no Plano Nacional de Redução de Acidentes para a Década 2011-2020, por exemplo em termos do atendimento às vítimas depois do acidente. Otaliba Libânio de Morais Neto entende que houve avanços durante a Década de Ação, como no caso do fortalecimento, expansão e regulamentação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192), pela Portaria nº 1010 de 21 de 2012.

Entre as atribuições do SAMU está a de realizar o atendimento médico pré-hospitalar de urgência, tanto em casos de traumas como em situações clínicas, prestando os cuidados médicos de urgência apropriados ao estado de saúde do cidadão e, quando se fizer necessário, transportá-lo com segurança e com o acompanhamento de profissionais do sistema até o ambulatório ou hospital.

“Muitas vezes é o SAMU quem chega primeiro ao local do acidente”, observa Morais Neto, lembrando que muitos municípios ainda não contam com Corpos de Bombeiros. Ele entende que é possível uma maior integração das ações entre SAMU, Corpo de Bombeiros e outros órgãos, em benefício de melhorias ainda maiores no atendimento às vítimas de acidentes de trânsito. A integração evitaria, por exemplo, a duplicidade no atendimento. Nos pronto-socorros e hospitais também houve avanços no tratamento às vítimas, acredita o especialista.

Fiscalização –  No pilar da Fiscalização, várias ações foram igualmente previstas no Plano Nacional visando melhorias. Ações como a padronização da fiscalização, a avaliação periódica da fiscalização efetuada e a criação de selo de qualidade na fiscalização. Com a demora na municipalização plena e a falta de coordenação entre os diferentes órgãos de cuidam do trânsito, muitas melhorias previstas não foram concretizadas. “Um dos objetivos de uma melhor articulação entre os órgãos, sob liderança de uma agência forte, é o aprimoramento da fiscalização, que leva a melhores índices”, defende Morais Neto.

O professor da FEM-Unicamp, Celso Arruda, entende que em termos de fiscalização os governos privilegiaram “o que é arrecadatório”. Para o consultor da OPAS/OMS, Victor Pavarino, o cumprimento das leis já existentes permanece um desafio para o Brasil, a término da primeira Década de Ação para a Segurança Viária.

Diz ele: “Embora operacionalizada por técnicos, a segurança viária é fortemente regida pela dimensão política, em seu sentido mais amplo. Poderíamos pensar o componente político que legisla, criando normas, e outro que gere a coisa pública nos órgãos executivos. No primeiro caso, temos que, pelos critérios estabelecidos pela OMS junto à Colaboração das Nações Unidas para a Segurança no Trânsito (UNRSC), a legislação brasileira para os principais fatores de risco cumpre com a maioria dos requisitos estabelecidos. Fica devendo apenas em relação a não ter limites de velocidade em no máximo 50 km/h em vias urbanas. Esse é um aspecto claramente passível de melhoras. O problema – e parece haver consenso na comunidade de segurança viária a esse respeito – tem mais relação com o cumprimento efetivo da Lei existente. Nesse ponto, o componente político relacionado à gestão tem peso mais significativo, seja no que concerne à capacidade institucional dos órgãos de fiscalização, seja no que tange a decisão por resistir-se a empreender ações necessárias, mas que tenham custos político-eleitorais indesejáveis – isso em todos os níveis de gestão e incluindo os diferentes Poderes”.

Segurança Veicular – Em termos da segurança veicular, o Plano elaborado sob a coordenação da ANTP, CEDATT e Instituto de Engenharia previa duas ações: a implementação da Inspeção Técnica Veicular e definir as diretrizes gerais para o projeto de um “veículo seguro”.

Em janeiro de 2014, entrou em vigor a obrigatoriedade de que todos os automóveis novos no Brasil passassem a contar com airbag duplo frontal (para o motorista e o passageiro da frente do veículo) e freios ABS. A obrigatoriedade seria para os zero quilômetro fabricados a partir daquele ano, sendo permitida a circulação de carros de outros anos sem os dois equipamentos. Desde 2010, entretanto, muitos veículos já saíam de fábrica com os dois equipamentos, em importante medida para a melhoria  da segurança veicular.

Prevista no Código de Trânsito Brasileiro desde 1997, a Inspeção Técnica Veicular não tinha sido ainda regulamentada. A regulamentação acabou acontecendo com a Resolução 716 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) de 5 de abril de 2017, que previa a adoção do procedimento em todo país até o final de 2019. Mas em 5 de abril de 2018 o Contran publicou a Deliberação 170, determinando a suspensão, por tempo indeterminado, do cumprimento do prazo.

O professor de Segurança Viária da Unicamp, Celso Arruda, considera que a indústria automobilística localizada no Brasil tem se preocupado com a atualização em relação a dispositivos mais sofisticados de segurança, utilizados em âmbito internacional, e em alguns casos avançando mais do que o exigido pela legislação.

Segurança Viária – Programas de proteção aos pedestres, motociclistas e ciclistas e a melhoria da condição e sinalização das vias foram algumas ações estipuladas na proposta do Plano Nacional para o período 2011-2020. A melhoria da infraestrutura também era prevista.

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) tem realizado avaliações anuais das condições das rodovias brasileiras. A 23ª edição da Pesquisa CNT de Rodovias, com dados de 2019, mostrou que 59% da extensão de 108.863 quilômetros pesquisados, por 24 equipes, apresentavam problemas. Foram identificados 707 pontos críticos, 75,6% a mais do que os 454 registrados em 2018.

A pesquisa da CNT avalia as condições de toda a malha federal pavimentada e dos principais trechos estaduais, também pavimentados. Além de abordar a situação das rodovias sob gestão pública e sob gestão concedida, a pesquisa avalia as infraestruturas de apoio, como trechos com postos de abastecimento, borracharias, concessionárias e oficinas mecânicas, restaurantes e lanchonetes disponíveis ao longo das rodovias.

“É urgente a necessidade de ampliar os recursos para as rodovias brasileiras e melhorar a aplicação do orçamento disponível”, disse o presidente da CNT, Vander Costa. Para ele, “a priorização do setor nas políticas públicas e a maior eficiência na gestão são imprescindíveis para reduzir os problemas nas rodovias e aumentar a segurança no transporte”.

Com base na avaliação da condição das rodovias, a CNT elabora um ranking. No ranking da última edição, as dez primeiras melhores ligações rodoviárias estavam localizadas no estado de São Paulo, sendo todas de rodovias com gestão concessionada para a iniciativa privada e todas com Classificação Geral como “ótimo”, pelos critérios utilizados pela CNT.

As cinco primeiras ligações do ranking eram: Campinas-Jacareí (SP-065, SP-340), São Paulo-Limeira (SP-310/ BR-364,  SP-348), São Paulo-Taubaté (SP-070), Bauru-Itirapina (SP-225/ BR-369) e São Paulo-Itaí-Espírito Santo do Turvo (SP-255, SP-280/ BR-374).

O professor da FEM-Unicamp, Celso Arruda, entende que “o governo não providenciou estradas mais seguras, exceto naquelas dadas sob concessão”. Ele nota que “pelo memorial de concessão as empresas têm que obedecer metas para termos rodovias mais seguras”.

O docente considera que algumas rodovias brasileiras, sob gestão concessionada, alcançaram “o nível internacional de excelência, enquanto as que não estão sob concessão continuam em estado precário”.

Entretanto, ele observa que em países desenvolvidos os programas de concessão estipulam que os usuários podem ter duas opções de tráfego, uma, mais rápida, pelas rodovias pedagiadas, e outra, menos rápida e sem pedágio. E isto não ocorreu nos programas implementados no Brasil, onde o usuário tem apenas a opção da rodovia pedagiada, lamenta Arruda.

O professor da Unicamp considera que em geral são altos os valores praticados nos pedágios no Brasil e entende que uma solução seria o pagamento pelo trecho percorrido, através de um sistema avançado que prescindiria da parada em praça de pedágio, como ocorre na Alemanha. Na sua opinião, a melhoria das condições gerais das estradas e rodovias, assim como da malha viária urbana, é um dos ingredientes essenciais para avanços maiores na segurança viária no Brasil.

A criatividade do brasileiro na busca de melhor mobilidade (Foto José Pedro S.Martins)

A criatividade do brasileiro na busca de melhor mobilidade (Foto José Pedro S.Martins)

OMS e OPAS destacam avanços durante a primeira Década de Ação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que devem ser enfatizados alguns avanços verificados durante a primeira Década de Ação para a Segurança Viária. Ressalta, por exemplo, a inserção da segurança no trânsito como tema entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030. Especificamente, as metas 3.6, pela prevenção de mortes nas rodovias, e 11.2, sobre a disponibilidade de sistemas de transporte acessíveis e sustentáveis para todos.

A OMS também evidencia a ampliação da base de doadores para a execução de programas e projetos pela segurança viária, agregando-se aos apoiadores originais, como FIA Foundation, Banco Mundial, Bloomberg Philanthropies e, mais recentemente, AO Foundation e Comissão Europeia. Destaca a própria criação do Fundo das Nações Unidas para a Segurança Viária, em 2018. Em 2019 o Fundo das Nações Unidas patrocinou os primeiros projetos, de forma piloto. Em 2020 foram realizados outros projetos, inclusive o “Fortalecendo a Fiscalização de Trânsito”, implementado pelo Detran do Pará.

A agência que impulsionou a Década de Ação para a Segurança Viária enfatiza, igualmente, o crescimento da participação da sociedade civil e da juventude em programas e projetos pela redução de acidentes de trânsito.

“Na região das Américas, que responde por 11% das mortes de trânsito no mundo, as taxas de mortalidade no trânsito também estabilizaram, na média, nesses dez últimos anos. Mas médias nem sempre retratam diferenças. É importante lembrar que as taxas nos países aqui nas Américas variam de 6 a 35 mortes por 100 mil habitantes. É muita desigualdade. E muita inequidade que ainda caracteriza a região. E isso tem consequências óbvias na mobilidade”, comenta Victor Pavarino, da OPAS/OMS.

O consultor acrescenta: “Mas entendemos também que não devemos resumir os avanços às estatísticas. Houve também avanços em outras dimensões a se reconhecer. O tema da segurança viária, por exemplo, nunca foi tão pautado no mundo todo. E tivemos muita produção científica e técnica ajudando a entender e enfrentar a questão do trânsito. Tivemos mais voz e atuação de ONGs e da sociedade civil organizada também. Mas um desses avanços que vale ressaltar é o envolvimento sem precedentes da área de saúde com a temática da segurança viária, honrando o mandato que a ONU deu à OMS e às agências regionais para coordenar o tema da segurança viária no sistema das Nações Unidas. A área de saúde não substitui a expertise de nenhuma área especifica de trânsito, mas agrega ao entendimento e ao tratamento das questões do trânsito com a perspectiva epidemiológica, com a qualificação da informação, com a capacidade de agregar outras áreas”..

 4. Sustentabilidade, tecnologia e direitos humanos na Segunda Década de Ação para a Segurança Viária

No dia 31 de agosto de 2020, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 74/299, proclamando os anos de 2021-2030 como a Segunda Década de Ação para a Segurança Viária, tendo como grande objetivo reduzir em pelo menos 50% as mortes e lesões em acidentes de trânsito nesse período.

Em sua resolução, a Assembleia das Nações Unidas sinaliza a tendência de que durante a segunda Década de Ação haja a convergência entre a busca da redução das mortes em acidentes de trânsito com a maior sustentabilidade nos sistemas de mobilidade, como estipulado na Agenda 2030 dos ODS. Evidencia, igualmente, que a segurança viária e a proteção da vida tem íntima ligação com a proteção dos direitos fundamentais estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Deputado Hugo Leal (último à direita), na Conferência de Estocolmo em fevereiro de 2020 (Foto Divulgação)

Deputado Hugo Leal (último à direita), na Conferência de Estocolmo em fevereiro de 2020 (Foto Divulgação)

“A 2ª Década pela Segurança no Trânsito 2021-2030, assim como a 1ª, foi uma resposta a uma Conferência de alto nível – no caso da 2ª Década, a da Conferência de Estocolmo em fevereiro de 2020. Portanto, a 2ª Década tem ´a cara` da Conferência e da Declaração de Estocolmo que, em sua essência, traduz-se em um apelo para conceber a segurança viária no espírito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), até porque um dos grandes motivadores da 2ª Década foi o de coincidir com as metas da Agenda 2030.  Até o nome da Declaração de Estocolmo é “Atingir os Objetivos Globais 2030”. Ao lermos a Declaração de Estocolmo, que foi firmada no fim da conferência, pelos estados membros, vemos que a carta se refere dos preâmbulos até os encaminhamentos a ações de segurança viária com conexão muito estreita com temas como saúde física e saúde mental, desenvolvimento, educação, a equidade de gênero, cidades sustentáveis, meio ambiente, mudança climática. A conferência que inspirou a proclamação da 2ª Década, traz, portanto, uma necessária – e oportuna – relação da segurança viária com a questão ambiental”, explica o consultor Victor Pavarino, da OPAS/OMS.

A Terceira Conferência Ministerial Global sobre Segurança no Trânsito foi realizada na capital sueca entre 19 e 20 de fevereiro de 2020, portanto antes da explosão mundial dos casos de Covid-19, o que permitiu a presença de 1700 delegados de 140 países. A Declaração de Estocolmo, de fato, aponta para a convergência das temáticas ambiental, da saúde e da segurança viária, em consonância com a Agenda 2030 dos ODS.

Uma agenda de convergência nessa linha já vinha sendo trabalhada desde 2019 pela OPAS/OMS. Em 2020 a organização lançou a “Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde – Documento de Referência“, um roteiro de discussão sobre o assunto para os próximos anos.

Neste contexto, de convergência de agendas, o debate sobre a diversificação da matriz de transporte tende a crescer na segunda Década de Ação. “Sistemas de transporte coletivo mais acessíveis, de melhor qualidade e com menor impacto ambiental são fundamentais para a segurança viária e para a qualidade de vida em geral”, defende Otaliba Libânio de Morais Neto, especialista que esteve na primeira Conferência Interministerial, em Moscou, falando oficialmente pelo Brasil.

José Aurélio Ramalho e outros membros do Observatório Nacional na Conferência de Estocolmo (Foto Divulgação Observatório Nacional de Segurança Viária)

José Aurélio Ramalho e outros membros do Observatório Nacional na Conferência de Estocolmo (Foto Divulgação Observatório Nacional de Segurança Viária)

No estudo “Impactos socioeconômicos dos acidentes de transporte no período de 2007-2018”, Paulo César Pêgas Ferreira observa que o número de óbitos em acidentes em ferrovias de transporte de cargas e passageiros no Brasil foi muito menor do que no modal rodoviário. Foram 2.135 mortes em acidentes ferroviários de 2007 a 2017, contra mais de 400 mil óbitos no modal rodoviário, de acordo com o DATASUS.

O mesmo em relação aos modais aquaviário e área, destacou Pêgas Ferreira. “No período de 2007 a 2017, foram emitidas 1.193 certidões de óbitos relacionadas a acidentes aéreos – o menor número de mortalidade, próximo do aquaviário”, sublinhou, também com base no DATASUS.

Outra tendência sinalizada na resolução é a de maior aplicação dos rápidos avanços tecnológicos nas estratégias de combate à violência no trânsito. Diz a resolução que a Assembleia Geral da ONU “convida os Estados Membros a que estimulem e incentivem o desenvolvimento, a aplicação e a implantação das tecnologias atuais e futuras e outras inovações para melhorar a acessibilidade e todos os aspectos da segurança viária, desde a prevenção de acidentes até a resposta de emergência e o cuidado dos traumatismos, prestando especial atenção às necessidades dos usuários das vias de trânsito mais vulneráveis, como os pedestres, os ciclistas, os motociclistas e usuários do transporte público, no que diz respeito à segurança”.

Glaucia Pereira, da Multiplicidade Mobilidade Urbana: por cidades desenhadas para as pessoas (Foto Divulgação)

Glaucia Pereira, da Multiplicidade Mobilidade Urbana: por cidades desenhadas para as pessoas (Foto Divulgação)

Exemplos de que avanços no planejamento e gestão podem ser verificados em termos de segurança viária, com uso das novas tecnologias, já estão sendo verificados na prática. Casos dos projetos realizados com a participação da Multiplicidade Mobilidade Urbana, criada por Glaucia Pereira em São Paulo.

A Multiplicidade foi parceira, por exemplo, no desenvolvimento do Tableau da Pesquisa Origem Destino da Região Metropolitana de São Paulo. Realizado com a Ciclocidade – Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo, o Tableau permite a melhor visualização de muitos dados sobre a mobilidade na maior região metropolitana brasileira, contribuindo para o planejamento de ações de trânsito.

“As cidades não foram desenhadas para as pessoas, mas são elas que morrem no trânsito, os pedestres continuam sendo muitas vezes tratados como problema”, lamenta Glaucia. Ela defende a aplicação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que é de 2012 e em em sua maior parte ainda não saiu do papel. Defende, igualmente, planejamento de longo prazo, mas ressalta que intervenções a curto prazo podem ser feitas, em benefício da maior proteção das pessoas, como o maior tempo para a travessia de pedestres nas faixas específicas.

Glaucia Pereira entende que é preciso “agir logo para pensar e construir cidades humanas e sustentáveis, em todas as dimensões, o que repercute na melhoria do trânsito e na diminuição de acidentes e mortes”. Ela acredita que a sociedade civil tende a contribuir cada vez mais nesse sentido, ao longo da segunda Década de Ação para a Segurança Viária.

O consultor da OPAS/OMS, Victor Pavarino, entende que o Brasil e as Américas em geral estão com um desafio muito concreto a perseguir na nova Década de Ação. “Nas Américas, as mortes de motociclistas dispararam, especialmente na Região Andina, no Caribe Latino e no Cone Sul. No Brasil, nesse aspecto, a situação da morbimortalidade no trânsito envolvendo usuários de motos é igualmente preocupante – particularmente grave nas regiões Norte e Nordeste – e é possível que se agrave com a pandemia, até mesmo por se relacionar a aspectos socioeconômicos como as macropolíticas de transporte, precarização do trabalho informal e crise do transporte público. Assim já temos na questão das motos um desafio muito claro a trabalharmos na 2ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030. Ademais, o Brasil, que teve os méritos da redução na morbimortalidade no trânsito da década passada tem, por outro lado, o desafio de avançar ainda mais nessa redução. Mas, antes disso, tem o desafio primeiro de não retrocedes nos avanços alcançados”.

O deputado Hugo Leal entende que um ótimo começo, para a segunda Década, seria a efetiva implementação da Lei Nº 13.614, de 11 de janeiro de 2018, que criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans). A Lei foi aprovada a partir do projeto de autoria dos deputados Beto Albuquerque e Paulo Foletto, que tramitou por quatro anos no Congresso Nacional. “Essa lei tem mecanismos efetivos que podem levar a grandes avanços na redução de acidentes e mortes, mas é preciso ser cumprida”, destaca Hugo Leal.

“A Covid nos levou a uma essencial reflexão sobre o respeito e responsabilidade em relação ao próximo. Que o mesmo aconteça em relação ao trânsito na próxima Década de Ação”, frisa o diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho.

Os desafios estão colocados. Durante a primeira Década de Ação para a Segurança Viária foram mais de 350 mil mortes em acidentes de trânsito no Brasil, sem contar os óbitos em 2020, ainda não totalmente consolidados. É muito mais do que o total de óbitos registrados até o dia 25 de fevereiro de 2021 por Covid-19 no país. É o equivalente a uma cidade do porte de Canoas (RS) ou Petrolina (PE). Uma redução muito mais significativa nos óbitos será tarefa coletiva e urgente para a segunda Década, entre 2021 e 2030.

Antônio dos Reis Pereira pede mais prudência e fiscalização e pedágio mais barato (Foto Acervo Pessoal)

Antônio dos Reis Pereira pede mais prudência e fiscalização e pedágio mais barato (Foto Acervo Pessoal)

A VOZ DE QUEM DIRIGE

“Vejo muita coisa errada acontecendo no trânsito. Vejo muita imprudência, velocidade muito alta, acima da permitida e motoristas sem experiência. Como melhorar nas cidades e rodovias? Mais calma dos motoristas, mais prudência e mais fiscalização. Vejo pouca fiscalização. As rodovias pedagiadas são melhores, muito conservadas, com sinalização de solo, de placas, tudo melhor. Mas os pedágios deveriam ser um pouco mais baratos. Eles são muito caros para a população em geral”. (Antônio dos Reis Pereira, motorista profissional desde 1982. Costuma dizer que o tanto que viajou pelo Brasil daria para dar várias voltas ao mundo ou ir diversas vezes até a Lua).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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