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Agricultura desorganizada e agrotóxicos ameaçam biodiversidade, diz relatório oficial
Plantação de soja no Centro-Oeste: é possível plantar sem desmatar, de acordo com a Moratória da Soja (Foto Adriano Rosa)

Agricultura desorganizada e agrotóxicos ameaçam biodiversidade, diz relatório oficial

O ESTADO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL – II

Por José Pedro Martins

A expansão desorganizada da agricultura, incluindo um uso intensivo de agrotóxicos, é uma das principais ameaças à biodiversidade no país, ao lado da proliferação de espécies invasoras, do desmatamento, das queimadas e das mudanças climáticas. A informação está no Quinto Relatório Nacional sobre Biodiversidade, que o Brasil encaminhou à Secretaria-Executiva da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD). O Brasil foi o 131º país a encaminhar seu Quinto Relatório Nacional. A CBD tem 162 países como signatários.

O relatório ratifica que o Brasil é o maior depositário da biodiversidade no planeta. São 43.893 espécies de plantas e, pelo menos, 104.546 espécies animais (vertebrados e invertebrados) conhecidas e classificadas atualmente no país, que provavelmente tenha uma biodiversidade ainda muito maior, não registrada pela ciência.

Em termos de espécies animais, já estão catalogadas 1.900 espécies de pássaros, 751 de répteis, 978 de anfíbios e 4.667 espécies de peixes, sendo 3.287 de água doce e 1.380 marinhos. As estimativas são de 96.669 a 129.840 espécies de invertebrados.

Apenas em espécies animais, os biomas mais ricos em biodiversidade são, pela ordem, a Mata Atlântica (21.156 espécies), Amazônia (18.026), Cerrado (15.454), Caatinga (5.512) e Pampas (2.564 espécies).

Um trabalho envolvendo 929 especialistas brasileiros e internacionais e 188 instituições nacionais e estrangeiras avaliou o estado de conservação de 7.647 espécies animais. O inventário mostrou que 88% dessas espécies não estão em perigo, mas 1.051 enfrentam algum risco, enquanto nove espécies já foram declaradas extintas.

Rio Miranda (MS): exemplo de biodiversidade animal e vegetal

Rio Miranda (MS): exemplo de biodiversidade animal e vegetal

Na área da flora, 472 espécies de plantas já foram declaradas extintas, enquanto 2.118, ou 45,9% de 4.617 espécies com estado de conservação avaliado, sofrem algum tipo de ameaça. De acordo com o documento, a perda de habitat representa a mais importante ameaça em 87,4% dos casos de plantas em risco.

Dentre as causas mais importantes da perda de habitat estão a agricultura (36,1%), infraestrutura e planos de desenvolvimento (23,5%), uso de recursos naturais (22,3%) e queimadas (11%).

Ainda segundo o Quinto Relatório Nacional do Brasil, a agricultura representa de longe a maior ameaça à biodiversidade no Pantanal e nos Pampas. No Pantanal, também pesa a extração de recursos naturais, enquanto nos Pampas há um risco maior do impacto de espécies invasoras do que em outros biomas.

Na Amazônia, os maiores riscos são da agricultura e extração de recursos naturais, em proporções praticamente idênticas, seguidas dos planos de desenvolvimento e expansão da infraestrutura. No Cerrado e na Caatinga a agricultura é a maior ameaça, mas seguida não muito longe da extração de recursos naturais e da expansão da infraestrutura e planos de desenvolvimento (principalmente no Cerrado).

O impacto da agricultura e dos agrotóxicos -  O relatório brasileiro observa que houve uma grande expansão agrícola no país nas últimas décadas. O documento credita essa expansão basicamente à melhoria da produtividade, que saltou de 1.258 quilos por hectare (de grãos e fibras) em 1976/77 para 3.507 kg/ha em 2012/2013.

Em 2012, segundo o IBGE, as propriedades agrícolas somavam 333,7 milhões de hectares, dos quais 48% eram cobertos por pastagens e 26,1% por matas nativas. O relatório cita as mudanças havidas em função do novo Código Florestal (muito criticado por organizações ambientalistas e cientistas).

O documento nota que a nova legislação “ainda permite o desmatamento legal de áreas com vegetação nativa em propriedades particulares”. Essa via legal “abre a possibilidade de posterior conversão de habitats naturais e da biodiversidade, o que pode ocorrer em conformidade com a legislação”.

Além da perda, a fragmentação e simplificação ou modificação dos recursos naturais decorrentes da mudança no uso da terra, “a ameaça de contaminação ambiental devido ao uso inadequado de produtos químicos agrícolas precisa ser tratada, a fim de assegurar o equilíbrio e conservação da biodiversidade e dos ecossistemas importantes, inclusive para a sobrevivência de várias espécies de polinizadores importantes para a produção agrícola”, diz o documento.

Um dos pontos-chave a ser abordado, assinala, é o sistema de registro atual para produtos químicos agrícolas no Brasil, o que requer uma reavaliação e melhoria incluindo revisões periódicas e renovação de licenças, entre outros aspectos. O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, com o consumo bruto aumentando 194% ou 315 mil toneladas em 12 anos, de 162 mil em 2000 para 478 mil toneladas em 2012.

Espécies invasoras – Outra ameaça importante para a biodiversidade brasileira, de acordo com o Quinto Relatório Nacional, é o avanço de espécies invasoras. Em 2014 o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou relatório sobre a presença de espécies invasoras em unidades de conservação. O documento revelou que, em 313 áreas protegidas, foram identificadas 144 espécies exóticas invasoras, das quais 106 plantas vasculares, 11 peixes, 11 mamíferos, 5 moluscos, três répteis, insetos 3, 2, 1 cnidários anfíbio, 1 crustáceo, e 1 isópode.

Desmatamento – Outra grande ameaça à biodiversidade é o desmatamento, salienta o Quinto Relatório Nacional. O documento cita a ação intersetorial para redução do desmatamento na Amazônia. Desde 2004 e até 2012 houve uma redução paulatina do desmatamento no bioma: 27.772 km2 em 2004, 19.014 km2 em 2005, 14.286 km2 em 2006, 11.651 em 2007, 12.911 em 2008, 7.464 km2 em 2009, 7.000 km2 em 2010, 6.418 km2 em 2011 e 4.571 km2 em 2012, voltando a subir em 2013, para 5.843 quilômetros quadrados.

Queimadas – As queimadas representam outro grande inimigo da biodiversidade. O monitoramento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostra uma evolução irregular das queimadas, com picos e descidas. Entre 2002 e 2005 foram registrados anos consecutivos com mais de 200 mil queimadas significativas, caindo para 117 mil em 2006 e voltando a subir para 229 mil em 2007. Em 2008 e 2009, dois anos com 123 mil queimadas cada. O recorde da história recente é o de 2010, com 249 mil queimadas, declinando no ano seguinte para 133 mil e voltando a subir para 193 mil em 2012. Em 2013 foram 115 mil, menor número desde 2000, quando foram 101.537 queimadas.

Mudanças climáticas – O Quinto Relatório Nacional cita as mudanças climáticas como outra importante ameaça à biodiversidade brasileira. O documento cita que em 2010 a estimativa foi de emissão de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente por mudanças no uso da terra e pelas florestas brasileiras. O documento salienta que desde 2009 o Brasil conta com uma série de ferramentas, no marco da Política Nacional de Mudanças Climáticas.

O ex-diretor do Instituto de Biologia da Unicamp, Mohamed Habib, afirma que “há uma relação direta entre o uso intensivo de agrotóxicos no Brasil e a perda da biodiversidade, na medida em que estes produtos são usados nas grandes monoculturas que só existem devido ao desmatamento e eliminação da diversidade biológica natural”.

A exceção, ele nota, “fica por conta das áreas de agroecologia e agricultura sustentável que têm como base a preservação de áreas naturais, mas que são poucas e pequenas em relação ao agronegócio que tem provocado o desmatamento em todo mundo”.

O professor Mohamed ressalta que, “pelo efeito deriva, pelo ar, e pela dispersão e deslocamento pelas águas, os agrotóxicos atingem toda biota e afetam a saúde humana”.

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