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Os jovens estão de volta à praça, com seus cabelos azuis e corações abertos
Sarau Arte Viva chegou à edição número 45: resistência pela liberdade de expressão (Foto José Pedro Martins)

Os jovens estão de volta à praça, com seus cabelos azuis e corações abertos

Marilia respirou fundo, arrumou os seus papeis e encarou a pequena multidão. Um mosaico de cabelos azuis, vermelhos, com mechas brancas, curtos, compridos ou curtos de um lado e compridos de outro. Não importa a cobertura, a cabeça da moçada estava aberta para ouvir, com enorme atenção e respeito, a estudante de Biologia da Unicamp que apresentava, pela primeira vez, sua poesia no Sarau Arte Viva, a iniciativa que chegou à marca de 45 edições na tarde-noite deste sábado, 2 de abril, na Praça Imprensa Fluminense, no Centro de Convivência Cultural, Cambuí, Campinas.

A primeira edição aconteceu em novembro de 2011, logo após a Prefeitura anunciar o fechamento do teatro do Centro de Convivência, concebido pelo arquiteto Fábio Penteado para ser justamente o que o nome indica, um ambiente de reunião das pessoas, de diálogo de ideias diferentes, de expressão da diversidade. O teatro interno continua fechado por avarias na sua estrutura e, recentemente, até o teatro de arena foi interditado, por problemas semelhantes.

Paralelo 38, um dos grupos que se apresentaram neste sábado (Foto José Pedro Martins)

Paralelo 38, um dos grupos que se apresentaram neste sábado (Foto José Pedro Martins)

Não demorou para um grupo de estudantes secundaristas iniciar um sarau, para reunir poesia, música e outras linguagens artísticas, como forma de ocupação do espaço público e de chamar a atenção para o fechamento de um dos territórios de Campinas com vocação para abrigar o novo, o diferente. São mais de quatro anos de estrada, alguns dos jovens pioneiros já estão na faculdade ou no cursinho, mas a batalha para organizar o evento continua mais ou menos a mesma.

“Nós abrimos um evento em nossa página no Facebook (https://www.facebook.com/ArteVivaCampinas), convidamos umas cem pessoas e, através do boca a boca, logo temos milhares de convidados”, conta Nicole Della Courtte, que participa da ação desde os primórdios. A dificuldade em obter recursos e apoios para viabilizar o sarau também prossegue. O equipamento de som utilizado na edição deste sábado foi emprestado por um amigo do pequeno grupo de organizadores. “Quando necessário, passamos o chapéu”, completa Gustavo Longo.

Em 2015 foram três edições, mas neste ano a expectativa é de retomada com vigor e com novos roteiros. Nicole diz que uma das ideias é descentralizar a iniciativa, levando o sarau e seu vasto repertório para outros endereços. Música, poesia, artesanato, livros, circo e malabares compõem o cardápio Arte Viva, sempre aberto a novos talentos, como lembra outro organizador, Felipe Correa.

Alguns dos organizadores do sarau, como Isadora, Gustavo Nicole e Felipe (Fotos José Pedro Martins)

Alguns dos organizadores do sarau, como Felipe, Isadora, Gustavo, Nicole e Felipe (Fotos José Pedro Martins)

Foram vários artistas que se apresentaram pela primeira vez neste dia 2 de abril, como a própria Marilia Baltazar, que começou a escrever no ano passado e já se apresentou no sarau da Biologia da Unicamp. “Escrevo sobre o que estou sentindo, se estou alegre ou se estou triste”, resumiu.

Com 18 anos, Rafael “Fael” Calafati soube do sarau no cursinho, se inscreveu e também fez sua estreia ontem. Com mais de 50 músicas compostas, ele levou sua música plural para o palco improvisado. “Pô, cara, falo sobre política, amor, tudo o que for vida para a galera”, disse, sintetizando sua arte.

Em pé ou sentados no chão da praça, os jovens dão o seu recado (Foto José Pedro Martins)

Em pé ou sentados no chão da praça, os jovens dão o seu recado (Foto José Pedro Martins)

Outro estreante foi Luc Ship, membro da banda FODD, de Sumaré, que faz uma música que se auto-intitula anarcopunk, depois de ter iniciado como cover de Green Day. Os outros dois membros da banda não puderam ir e Luc, baterista, se apresentou sozinho, “para dar o nosso recado, contra o racismo, a homofobia”. Luc considera “da maior importância promover essa arte democrática, de graça, para os jovens, na praça”.

Mas havia lugar, claro, para grupos e artistas que participaram outras vezes do sarau. A banda Paralelo 38, de rock alternativo, foi um deles. Eles já abriram show do Fresno e preparam o lançamento do primeiro CD, para o segundo semestre. “É muito legal a energia do pessoal que está aqui, gostamos de tocar no Arte Viva”, explicou Vinicius Almeida, o “Valdivia”, do Paralelo 38.

Iniciantes ou não, os artistas independentes de Campinas e região continuam levando sua assinatura para o Sarau Arte Viva.  O movimento que começou como protesto contra o fechamento do teatro do Centro de Convivência Cultural se consolidou como uma das mais longevas ações de ocupação de espaço público no Brasil e agora voltou, continuando a colocar o dedo na ferida. Em pé ou sentados no chão da praça do CC, como chamam carinhosamente, e com o jeitão tranquilo e coração aberto, os jovens dão sua mensagem. (Por José Pedro Martins)

Os novos que desejam o novo, ocupando espaços e compartilhando afetos (Foto José Pedro Martins)

Os novos que desejam o novo, ocupando espaços e compartilhando afetos (Foto José Pedro Martins)

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