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Banco Mundial quer mudar licenciamento ambiental no Brasil desde 2008
Senado cassa o mandato de Dilma Rousseff, após decisão semelhante da Câmara dos Deputados (Foto Adriano Rosa)

Banco Mundial quer mudar licenciamento ambiental no Brasil desde 2008

Desde pelo menos 2008 o Banco Mundial propõe mudanças no licenciamento ambiental observado no Brasil, sobretudo em relação aos polêmicos empreendimentos hidrelétricos. No último dia 27 de abril, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de nº 65, de 2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatoria do senador Blairo Maggi (PR-MT), alterando o licenciamento ambiental no Brasil, o que gerou forte reação no setor ambientalista. A aprovação da PEC 65/2012 pela CCJ do Senado aconteceu no mesmo dia em que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) entregou ao vice-presidente Michel Temer (PMDB) um pacote com 36 propostas, inclusive “simplificar o licenciamento ambiental”, como informou a Agência Social de Notícias (aqui). Desde 2006 a CNI propõe mudanças no licenciamento ambiental.

A PEC 65, ao acrescer o parágrafo 7º ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988, estabelece que, a partir da simples apresentação de um Estudo Impacto Ambiental (EIA) pelo empreendedor, nenhuma obra, objeto de licenciamento de licenciamento ambiental, pública ou privada, poderá mais ser suspensa ou cancelada, a não em face de fato superveniente.

A consequência prática é que, com essa mudança, é afastado o tradicional processo em três fases do licenciamento ambiental atualmente estipulado na legislação brasileira. Na primeira fase, quando é elaborado Estudo de Impacto Ambiental, é emitida a Licença Prévia, que atesta a viabilidade da obra. A Licença de Instalação caracteriza a segunda fase. E por último a Licença de Operação, que atesta o cumprimento, no decorrer da obra, que esta observou todas as condicionantes e restrições impostas pelas licenças anteriores. A flexibilização, nos termos aprovados pela CCJ do Senado, acontece de uma forma muito mais radical do que pedia a CNI e o próprio Banco Mundial.

Estudo do Banco Mundial – O Banco Mundial já financiou centenas de obras no Brasil, desde 1949. São muitos projetos polêmicos, vários deles na área de geração de energia elétrica. Em abril de 2015, um estudo divulgado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) revelou que 10.094 brasileiros foram objeto de remoção forçada de suas moradias, em decorrência de projetos de infraestrutura financiados pelo Banco Mundial. Os projetos executados por governos estaduais e municipais, com empréstimos de cerca de US$ 2 bilhões pela instituição financeira, foram nas áreas de saneamento, requalificação urbana, meio ambiente e setor viário. O estudo do ICIJ envolveu jornalistas de mais de 20 veículos, de diversos países, inclusive dois da Agência Pública, do Brasil.

Em março de 2008, o escritório do Banco Mundial no Brasil divulgou o estudo “Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no Brasil: Uma contribuição para o debate”, em três volumes. No estudo, o Banco Mundial faz muitas críticas ao processo de licenciamento ambiental no Brasil e elenca uma série de sugestões de mudança na legislação.

No documento, a instituição financeira multilateral sustenta que “a maioria dos problemas associados ao licenciamento ambiental no Brasil ocorre na primeira fase (Licença Prévia – LP) de um processo que compreende três etapas. Esses problemas incluem a falta de planejamento adequado do governo, falta de clareza sobre qual esfera governamental (federal ou estadual) tem autoridade legal para emitir licenças ambientais, atrasos na emissão dos termos de referência (TdRs) para o estudo de impacto ambiental (EIA) exigido pela legislação, má qualidade dos EIAs preparados pelos proponentes do projeto, avaliação inconsistente dos EIAs, falta de um sistema adequado para resolução de conflitos, falta de regras claras para a compensação social e falta de profissionais da área social no órgão ambiental federal”.

Em referência direta a empreendimentos hidrelétricos, o Banco Mundial destaca ainda que “as questões sociais e ambientais, incluindo aí os aspectos regulatórios, não são os únicos fatores que têm restringido a expansão da produção de energia pelo setor privado”, elencando em seguida fatores como “importantes incertezas acerca da fórmula correta de divisão dos riscos hidrológicos, geológicos e outros riscos decorrentes de grandes hidrelétricas entre os setores público e privado”.

Uma crítica direta à forma de atuação do Ministério Público no Brasil também é ressaltada: “A autonomia ilimitada conferida a integrantes do Ministério Público, que não encontra paralelo nos países examinados no âmbito do Estudo, é importante fator para a falta de previsibilidade e cumprimento com os cronogramas do processo de licenciamento ambiental, pois permite que seus membros participem de atos técnicos ou administrativos típicos do órgão ambiental”.

O Banco Mundial acentua que duas conclusões, dentre outras, emergem do Estudo: “Primeiro, que os custos de se lidar com as questões ambientais e sociais no desenvolvimento de empreendimentos hidrelétricos no Brasil representam 12% do custo total da obra. Segundo, os custos impostos, de modo geral, pela incerteza regulatória e contratual, excluido o licenciamento ambiental, representam cerca de 7,5% do custo total. A conclusão é clara – os custos ambientais e sociais podem ser facilmente integrados. O que é essencial é alcançar um ambiente regulatório previsível, inclusive no que se refere ao licenciamento ambiental”.

A instituição defende então a “urgência em desenvolver um marco regulatório moderno, transparente e previsível a fim de promover uma maior previsibilidade do funcionamento do licenciamento ambiental e do marco regulatório mais abrangente. Para atingir tais objetivos, é necessária atuação urgente, para (i) aperfeiçoar e expandir a base de dados do potencial hidroelétrico no nível de bacia e a integração da variável ambiental no planejamento do setor; (ii) minimizar as incertezas geradas pelo processo de licenciamento ambiental; e (iii) continuamente aperfeiçoar a regulação do setor”.

O Banco Mundial apresenta, em síntese, cinco principais propostas de mudança no licenciamento ambiental no Brasil, com foco especial em empreendimentos hidrelétricos:

“(a) Formulação e adoção de Lei Complementar, esclarecendo as responsabilidades da União e dos Estados em relação ao licenciamento ambiental.

(b) Adoção de mecanismos de resolução de conflitos para o processo de licenciamento, especialmente para grandes projetos. Isso minimizaria a transferência para o Judiciário de várias questões que deveriam ser resolvidas dentro do escopo do processo administrativo de licenciamento ambiental.

(c) Adoção de um processo objetivando a migração do processo de licenciamento atual, focado na LP para projetos individuais, para um processo no qual a emissão da LP pudesse ser feita para um grupo de projetos localizados na mesma bacia. A LP deve ser considerada (e emitida) com base na análise realizada durante o estágio de planejamento, como resultado de uma plano de bacia ajustado, contendo os elementos principais da avaliação ambiental estratégica, atualmente em teste no Brasil. Um EIA-RIMA mais específico se tornaria exigência para a obtenção da LI, com base no projeto de engenharia real, focando na prevenção e mitigação dos potenciais impactos do projeto, mas sem haver a necessidade de reavaliar questões mais amplas acerca da viabilidade social e ambiental do empreendimento proposto.

(d) Fortalecimento do processo de EIA através das seguintes medidas: (a) preparação dos TdRs por uma equipe multidisciplinar, com base na análise preliminar do projeto e da região na qual ele se localiza, com base em informações secundárias e ao menos uma visita de campo; (b) preparação de manual operacional por um grupo multisetorial, composto por experientes profissionais ambientais e especialistas de diversas áreas de conhecimento; e (c) dotação de capacitação técnica e diversidade profissional aos órgãos do SISNAMA e do setor privado envolvido no processo de licenciamento.

(e) Há amplo consenso sobre a necessidade de se revitalizar a capacidade do país de fazer um bom planejamento para seu setor de energia. Este processo está se iniciando na EPE, e deve abordar todas as dimensões – econômica, financeira, técnica, bem como ambiental e social – e requerer o exame de todas as opções, e não somente dizer “sim” ou “não” a propostas específicas”.

Vários segmentos, portanto, como o Banco Mundial e a CNI, têm defendido mudanças no licenciamento ambiental no Brasil. Alterações no licenciamento ambiental agora estão prestes a ocorrer, no momento em que se discute o impeachment da presidente Dilma Rousseff e eventual posse de um governo chefiado pelo atual vice-presidente, Michel Temer. A modificação aprovada pela CCJ do Senado provocou forte reação em todo país, como da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (ANAMMA), para quem a PEC 65/2012 representa “um retrocesso na legislação ambiental sem precedentes na história do Brasil”.

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