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Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima altera rumos da outorga do Sistema Cantareira
Cena de retirada de água do Volume Morto do Cantareira, em novembro de 2014: regiões de São Paulo e Campinas perto da tragédia (Foto Adriano Rosa)

Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima altera rumos da outorga do Sistema Cantareira

Por José Pedro Martins – O Brasil que se adapta às mudanças climáticas – II

Profundas modificações na concessão ou renovação de outorga do uso da água no Brasil, como a do polêmico Sistema Cantareira, passarão a acontecer em função do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, que entrou em vigor no último dia 11 de maio. A renovação da outorga do Sistema Cantareira acontecerá até maio de 2017 e é um tema que interfere diretamente na vida de cerca de 10 milhões de pessoas das regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas e no Aglomerado Urbano de Piracicaba, portanto em uma das áreas mais ricas e populosas do país e que já esteve entre 2014 e 2015 perto de uma tragédia, provocada por evento climático extremo.

Desde 1974 o Sistema Cantareira é administrado pela Sabesp, estatal do governo paulista. Em 2004 aconteceu a primeira renovação da outorga, desta vez pelo prazo de dez anos, o que se daria em 2014. Entretanto, a renovação foi adiada várias vezes, em razão da forte estiagem entre 2014 e 2015. O prazo agora é de renovação até maio de 2017, conforme o cronograma estipulado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgãos responsáveis pela concessão de uso de recursos hídricos em esferas federal e estadual, respectivamente.

Todo o rumo da concessão de nova outorga para a Sabesp, que já vinha sendo polêmico, tende agora a ficar ainda mais complexo, em função das diretrizes apontadas no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, lançado no dia 11 de maio, véspera da aprovação pelo Senado do início do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O lançamento do Plano foi, então, uma das ações do pacote ambiental apresentado por Dilma antes de ser afastada temporariamente da Presidência da República.

Fruto de muitas discussões com especialistas e audiências públicas, o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima faz sérias advertências sobre os impactos das mudanças climáticas em vários setores do país, como o dos recursos hídricos. E em função dessas advertências o Plano apresenta um conjunto de diretrizes que devem ser adotadas em termos de gestão de recursos hídricos – como no âmbito das outorgas de uso da água – para que o Brasil se adapte da melhor forma às mudanças climáticas que já vêm ocorrendo de forma acelerada (ver mais detalhes do Plano aqui)

Cantareira quase secou em 2014, afetando Grande São Paulo e região de Campinas: exemplo de impacto das mudanças climáticas (Foto Adriano Rosa)

Cantareira quase secou em 2014, afetando Grande São Paulo e região de Campinas: exemplo de impacto das mudanças climáticas (Foto Adriano Rosa)

Impactos das mudanças climáticas na água – Na esfera dos recursos hídricos, e com base nos diversos estudos científicos já realizados, inclusive os do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o Plano Nacional aponta quatro principais tendências derivadas dessas mudanças:

I- Aumento da criticidade hídrica para bacias hidrográficas da Região Nordeste, embora não haja consenso sobre estudos acerca da dinâmica da precipitação de chuvas;

II – Rápido declínio nos fluxos em torno de 2100 para as bacias da parte ocidental do Nordeste e do Atlântico Ocidental;

III – Tendência de declínio da oferta superficial para quase todas as regiões do Brasil (o declínio na precipitação de chuvas poderá impactar os fluxos dos rios em bacias geradoras de hidroeletricidade); e

IV – Aumento da precipitação e, consequentemente, das vazões para a região sul do país.

O Plano Nacional de Mudanças Climáticas é incisivo ao alertar que, por ser um setor que depende diretamente da disponibilidade de água em quantidade e qualidade adequadas, nas regiões em que são demandadas, como é o caso das regiões de São Paulo, Campinas e Piracicaba, já críticas em recursos hídricos, o abastecimento humano “deverá ser fortemente impactado por alterações no ciclo hidrológico”. Além do aumento de demanda decorrente do crescimento populacional, da urbanização e da política de universalização do abastecimento de água, o balanço hídrico “poderá ser afetado por incrementos de consumo relacionados à elevação da temperatura global”.

Serão muitos os impactos, portanto, nos recursos hídricos, decorrentes das mudanças climáticas, e as regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas e o aglomerado urbano de Piracicaba já sentiram recentemente os efeitos dramáticos de uma forte estiagem que, como evento climático extremo, pode voltar a ocorrer, segundo a previsão de cientistas. Daí a necessidade de uma revisão dos mecanismos de gestão dos recursos hídricos, segundo o Plano Nacional, e a outorga do uso da água é um deles.

Cantareira no auge da crise hídrica: nova outorga será definida até maio de 2017 (Foto Adriano Rosa)

Cantareira no auge da crise hídrica: nova outorga será definida até maio de 2017 (Foto Adriano Rosa)

Novas diretrizes para novas outorgas ou renovações, como a do Cantareira – O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima propõe novas diretrizes para os cinco instrumentos de gestão dos recursos hídricos, que constam da Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei Federal 9433, de 1997: Planos de Recursos Hídricos, enquadramento dos corpos d´água em classes, outorga do direito de uso da água, cobrança pelo uso da água e Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.

No que se refere à concessão ou renovação de outorga do uso da água, o Plano Nacional propõe seis alternativas para tornar o instrumento mais adaptado aos impactos da mudança do clima nos recursos hídricos. As seis alternativas têm relação com o processo de renovação da outorga do Sistema Cantareira:

A – Avaliar a possibilidade de a outorga prever níveis indicativos de criticidade para situações atípicas de disponibilidade hídrica, os quais impliquem em redução proporcional ou interrupção das permissões de retirada, devidamente explicitadas e previamente pactuadas com os usuários em planos de contingência ou acordos de alocação de água, elaborados com base em estudos técnicos que comprovem a necessidade do ato.

B – Elaborar acordos de alocação negociada de água em áreas que apresentem níveis críticos de utilização do recurso e ocorrência de eventos hidrológicos extremos.

C – Considerar avaliações de risco e das preferências dos grupos ante as alternativas para enfrentar o risco, bem como considerar a capacidade dos usuários da água de absorverem tais riscos.

D – Flexibilizar os parâmetros de atendimento de forma a: permitir a adoção de critérios mais flexíveis na definição das vazões de retirada previstas nos atos de outorga, com possível associação às variações das vazões de referência.

E – Conferir segurança institucional e jurídica (critérios e sequência de atuação) para a suspensão de direitos de uso em situações de eventos hidrológicos extremos.

F – Buscar maior efetividade no cumprimento de condicionantes das outorgas.

As alternativas E e F, especificamente, têm conexão direta com o processo de renovação da outorga do Cantareira. Durante a crise hídrica de 2014 e 2015, já foram elaboradas e entraram em vigor regras especiais para o uso da água nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) em caso de redução acentuada na vazão dos rios onde ocorre a captação. Com relação à alternativa F, é fundamental garantir o efetivo cumprimento de condicionantes por ocasião a definição de nova outorga para a Sabesp continuar gerenciando o Sistema Cantareira. Condicionantes apontados no momento da última outorga, de 2004, como a busca de alternativas de captação para a Grande São Paulo, não foram cumpridos. Em síntese, no contexto das mudanças climáticas, e já considerando o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, a renovação da outorga do Sistema Cantareira, a ser concluída em maio de 2017, deverá seguir novos rumos do que os já seguidos até o momento.

 

 

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