Por José Pedro S.Martins
A temperatura ambiente era medida de longe. Os belos jardins da Biblioteca Pública Municipal “Professor Ernesto Manoel Zink” e do vizinho Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC), onde estão esculturas de Eduardo Cruzeiro e Lelio Coluccini, tomados por jovens de todas as idades ávidos pelas novidades e pelo diálogo. E dentro da biblioteca, uma atmosfera de esperança essencial no Brasil. Sim, a inteligência, a cultura, o respeito, a tolerância e a valorização da diversidade podem derrotar as trevas. É esta a mensagem que pude captar na terceira edição da Feira SUB de Arte Impressa e Publicações Independentes, realizada no último sábado, 15 de setembro. Acho que a sensação era comum a todos ali, um tributo à vitalidade do segmento, que continua crescendo em pleno mosaico de crises simultâneas que o país respira.
Quase 70 expositores, de seis estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, que somava a maioria dos artistas. Editoras, coletivos, artistas individuais com seu trabalho autoral, ratificando a força da cena impressa independente, no coração da sociedade/indústria cultural tecnológica. Um vigor comprovado em outros eventos do calendário do setor (como a Textura de Belo Horizonte e a Feira Tijuana em São Paulo e no Rio de Janeiro e eventos também fora do Brasil), no qual a Feira SUB de Campinas se firma cada vez mais por sua capacidade de inovação e aglutinação.
Programação ampla – E novidade e parcerias não faltaram na terceira edição da SUB, que teve uma programação muito ampla, além da data do evento. Foram atividades em vários espaços, como Instituto de Artes da Unicamp, SESC-Campinas e Torta, incluindo exposições, exibição de filme e oficinas. (Programação completa, aqui)
No dia da Feira, especificamente, a programação também contemplou um bate-papo com o escritor Ricardo Lísias, que falou sobre estética e política, com a mediação de Pedro Meira Monteiro. Outra novidade de 2018 foi a Residência SUB, que premiou os artistas Cau Silva, Kauê Garcia, Paula Chimanovitch e Vitor Zanini. Eles apresentaram o resultado da Residência no dia 15 de setembro, na Biblioteca Municipal “Professor Ernesto Manoel Zink”. A Residência SUB foi uma parceria com o Coletivo CONTRACOUCHÊ, sob a coordenação das artistas Ludmila Porto e Lilian Walker.
“O terceiro ano da Feira mostra que ela vem se consolidando. As parcerias têm sido fundamentais para esse processo”, comenta Marcela Pacola, uma das idealizadoras e organizadoras da Feira SUB. “Além das pessoas que já conhecem e acompanham a SUB, recebemos visitas de muita gente que veio à Feira pela primeira vez e adorou. Portanto, ainda é um espaço de formação de público. Os expositores trouxeram um material incrível e conseguimos, novamente, apresentar uma diversidade de trabalhos em termos de linguagem artística. A Biblioteca continua sendo um espaço que acomoda muito bem a Feira. As pessoas ocupam os espaços interno e externo, transformando o local em um espaço de convivência. Foi lindo!”, comemora Marcela.
Para Fabiana Pacola Ius, outra das idealizadoras e organizadoras da Feira SUB, o evento está inscrito no território do fazer cultura de forma independente, que continua mostrando o seu potencial. “O que move os artistas das feiras independentes é a possibilidade da experimentação e a liberdade de expressão. E é isso que nos move para organizar a Feira”, relata.
“Para mim, são esses mesmos ingredientes, também, que despertam a curiosidade das pessoas. O público é atraído pelo ineditismo dos trabalhos. Cada ano o número de inscrições aumenta com trabalhos de muita qualidade, o que torna o processo de curadoria um enorme desafio. Isso mostra a potência desses espaços de circulação, que são as feiras independentes”, completa Fabiana, que ao lado da irmã Marcela dirige o The Mix Bazar, realizador da Feira SUB.
Visão dos artistas – Os artistas que participaram da terceira edição compartilham a percepção das idealizadoras. “Esse segmento está crescendo, as pessoas continuam gostando de livro e de ter acesso a publicações e à arte não encontradas no mercado editorial e outros espaços tradicionais”, afirma Valéria Menezes, que foi autora do cartaz da edição de 2017 da Feira SUB e expôs novamente em 2018.
Integrante e autora do selo doburro, Fernanda Senna – que apresentou seu livro-jogo “8, o livro” na Feira SUB de Campinas – entende que “a relação com o objeto livro ainda é muito sólida, tem o trabalho da capa, o cuidado com o conteúdo, e isso é insubstituível”, embora assinale que o meio digital possa ser um complemento e um espaço importante.
O selo doburro é um selo independente de poesia, viabilizando produções com múltiplas linguagens e artistas autores em seu rol de publicações com atuação em slams, saraus, teatro e performance e literatura marginal. O sarau doburro, na Vila Madalena, é um dos mais conhecidos na cena independente paulistana.
Fernanda evidencia que a poesia contemporânea, como aquela veiculada pelo selo doburro, tem múltiplas camadas, e uma delas sem dúvidas é a da resistência. Ele considera que a Feira SUB vem de fato se consolidando e destacou a sua realização em uma biblioteca pública, “um espaço que pode ser potencializado para além da visão tradicional das pessoas”.
Um dos coletivos presentes era o BICUDA, um grupo de estudantes de artes plásticas da Universidade de São Paulo que se uniu oficialmente em 2018 para expor seus trabalhos gráficos individuais (gravuras, cartazes, pinturas, zines, bordados) e produzir enquanto grupo. O nome BICUDA foi escolhida por seu significado polissêmico: “Bicuda é um peixinho de água doce de corpo fino e boca pontuda. Bicuda também é uma faca, ou um chute, geralmente em alguém, ou um estado de espírito”.
Integrante do BICUDA, Cristina Ambrosio também ressaltou que o livro continua sendo uma espécie de fetiche, com o suporte em papel proporcionando uma experiência não oferecida pelo meio digital. Trata-se de um suporte especial, completa ela, para os autores interessados em uma “poética de investigação, marcada pela diversidade”.
Os componentes do BICUDA exploram vários suportes e técnicas para apresentar sua arte. Gravura, litogravura, serigrafia, fotolito, entre outros. Cristina nota que o circuito universitário, meio onde o coletivo floresceu, tem sido um dos espaços mais relevantes para a cena independente, com muita criatividade e inovação.
Criatividade e inovação, duas palavras-chave para o projeto da Biblioteca Pública Municipal “Professor Ernesto Manoel Zink” desenvolver uma programação que amplia a visão sobre uma biblioteca tradicional. “Uma pessoa me disse hoje que nunca tinha entrado aqui e que agora mudou seu pensamento sobre o espaço”, contou Suze Elias, do staff da Biblioteca.
Para Suze, a realização da Feira SUB pela segunda vez na Biblioteca representa um avanço expressivo na dilatação do olhar sobre o espaço, que vai além de local de reunião e consulta a livros. “Foi magnífico ver o fluxo de pessoas, o dia inteiro, conversando, trocando experiências. Um momento especial para nós e para todos que aqui vieram”, afirmou, sintetizando o sentimento dos que participaram da terceira edição da Feira SUB de Arte Impressa e Publicações Independentes.
A Feira SUB contou com o apoio da Secretaria de Cultura de Campinas, da Agência Social de Notícias e do Instituto CPFL. O trabalho de todos os expositores pode ser conhecido nos links de notícias publicadas pela ASN: grafite (aqui), artistas de Campinas e região (aqui), artistas de São Paulo e região metropolitana (aqui) e artistas de outros estados (aqui).