Por José Pedro Soares Martins
Um dos locais mais apreciados pelos moradores de Campinas, o Bosque dos Jequitibás é testemunha das inevitáveis mudanças civilizatórias. Agora a área de cerca de 100 mil metros quadrados, que guarda um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica em perímetro urbano, passará por outra transformação, com o início do processo que culminará na desativação do zoológico. Esse será o resultado do projeto de lei assinado na manhã desta sexta-feira, dia 4 de outubro, pelo prefeito Jonas Donizette, proibindo animais em cativeiro em praças, parques e bosques do município.
“A proibição ocorrerá em áreas públicas municipais, como o caso do Bosque dos Jequitibás. A legislação sobre criadouros particulares é de domínio federal, do Ibama”, adiantou o prefeito, sobre eventuais dúvidas a respeito de outros espaços para animais em cativeiro. “Hoje já existe uma sensibilidade diferente, um outro olhar sobre o cuidado com os animais, e Campinas se torna então a primeira cidade com mais de 1 milhão de habitantes no Brasil a proibir animais em cativeiro em áreas públicas”, completou Jonas Donizette.
Na cerimônia de assinatura do projeto de lei, o prefeito aproveitou a presença do presidente da Câmara Municipal, Marcos Bernardelli, para sugerir a promoção de uma audiência pública de discussão da propositura. Bernardelli prometeu dar toda a atenção que o projeto merece, em sua tramitação na Câmara.
Como explicou o prefeito, hoje o zoológico do Bosque dos Jequitibás tem cerca de 200 animais em cativeiro. Se o projeto for transformado em lei, como se espera, o espaço não receberá mais animais. “Os que estão lá continuarão recebendo o tratamento adequado enquanto estiverem vivos”, assinalou. Quando não existirem mais animais no cativeiro, os frequentadores do Bosque continuarão apreciando e convivendo com os muitos animais que já estão soltos no território, como cotias, bichos-preguiça, alguns répteis e muitos pássaros e aves.
Novo olhar para os animais – Um dos responsáveis pela formulação do projeto, o secretário municipal do Verde, do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Rogério Menezes, observou que o projeto assinado pelo prefeito é decorrência de um novo cenário para a proteção dos animais em Campinas.
Lembrou o secretário que a cidade foi pioneira na montagem de um Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal (DPBEA), através da Lei Municipal Complementar nº 59 de 09 de janeiro de 2014. Assim, desde junho de 2014 todas as ações de controle populacional de cães, gatos e de proteção de bem-estar animal foram assumidas e passaram a ser executadas por este departamento.
“Depois da criação do Departamento, já são 40 mil animais micro-chipados e 33 mil castrados, além dos 17.00 atendimentos pelo Samu Animal, criado em 2017″, assinalou Rogério Menezes, informando que desde a entrada em operação o DPBEA já recebeu a visita de 65 prefeituras, interessadas em ver de perto como é o seu funcionamento.
O secretário também citou a entrada em vigor, em 2013, do Programa de Adoção de Animais e o início do funcionamento, em 2017, do Estatuto dos Animais (disciplinando vários aspectos da convivência humana com os animais em Campinas), entre o elenco de medidas voltadas ao bem estar e proteção dos animais no município, no contexto do novo olhar civilizatório para a questão.
Um outro passo importante, concluiu o secretário, será a projetada instalação de um centro de referência em proteção e bem estar animal, em área próxima à Via Anhanguera, de propriedade do Ministério da Agricultura. As negociações para a cessão da área estão avançadas e já existe uma dotação de R$ 4,5 para o início das obras em 2020. O centro de referência abrigará todos os órgãos municipais que cuidam dos animais em Campinas.
Entre outros, esteve presente na cerimônia na manhã desta sexta-feira, na Sala Azul do Palácio dos Jequitibás, o diretor de Proteção e Bem Estar Animal da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma), Flavio Lamas.
Palco de transformações – De fato, o Bosque dos Jequitibás tem sido palco privilegiado das transformações históricas em Campinas e no Brasil. A área do Bosque pertencia originalmente a Francisco Bueno de Miranda, conhecido como Bueninho. Ele passou a ser um dos locais preferidos de visitação da elite local na década de 1870, período de ouro do café para Campinas.
No início dos anos 1980, o espaço recebeu a visita da Princesa Isabel e do Conde D´Eu, seu marido. Em 1881, foram inaugurados um restaurante e sanitários, projetados por Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), que depois seria consagrado um dos maiores arquitetos do país.
Na virada dos séculos 19 e 20, o Bosque foi palco de uma das experiências do aeronauta Magalhães Costa com seu aeróstato. Em 1915 o prefeito Heitor Penteado promoveu a compra da área, por 100 contos de réis, por meio da Resolução 472, de 4 de maio.
Depois de receber obras de urbanização, o Bosque foi aberto ao público, agora para todos, sem cobrança de entrada. Uma interrupção do acesso livre aconteceu no início da década de 1930, quando o lugar serve de abrigo às tropas federais do general João Franco, fieis a Getúlio Vargas.
Até 5 de novembro de 1972, data da inauguração do Parque Taquaral, o Bosque dos Jequitibás era a maior área urbanizada à disposição da população de Campinas. Neste mesmo período, mais precisamente entre 1971 e 1977, o Bosque recebeu o impacto da construção da avenida Aquidabã, que também mudou a trajetória de muitos moradores da região.
Por pouco o Bosque não foi destruído. O trajeto original da avenida previa uma linha reta, até a avenida Princesa D´Oeste. Houve um forte movimento de protesto da população em geral e de ambientalistas em particular, e a avenida acabou recebendo um desvio, para não atingir a área do Bosque, que é assim, também, um símbolo de resistência.
Depois o Bosque receberia o Museu Nove de Julho, Museu de História Natural e Museu do Índio, idealizado pelo antropólogo Desiderio Aytai. Também recebeu o Teatro Infantil “Carlito Maia”. A vocação para o lazer, a cultura e a educação ambiental é latente. Agora um novo salto, com a desativação progressiva do zoológico.