Por Tiago Gonçalves
Palhaços têm lá vontades bastante peculiares. Não é mesmo, Respeitável Público? Vá entender as paixões desses fanfarrões. A partir dessa premissa, um coletivo de trupes artísticas de Campinas, exclusivamente formado por distintos narizes vermelhos, resolveu tirar do picadeiro duas comédias de circo-teatro brasileiro para levá-las ao Centro Cultural Casarão, em Barão Geraldo, Campinas. O experimento artístico, batizado de Circo-Teatro do Barão, pode ser apreciado nesta quinta-feira, 28 de maio, com O Morto Que Não Morreu, e sexta, dia 29, com O Machão. Com entrada franca, os espetáculos estão marcados para as 20h.
Sob a direção do aclamado Palhaço Tubinho, descendente de família tradicional de circo-teatro e referência no Brasil em tal estética teatral, a cena será ocupada pelos artistas do Barracão Teatro (Ésio Magalhães e Raíssa Guimarães), do Circo Caramba (Thiago Sales), da Dupla Cia. (Fernanda Jannuzzelli), da Família Burg (Hugo Burg Cacilhas, Ivens Burg Cacilhas e Joana Piza) e da Los Circo Los (Rodrigo Mallet e Vitor Poltronieri). A iniciativa, que ainda contemplará turnê por outras cidades da região (Americana, Cosmópolis e Hortolândia) durante o ano, foi contemplada pelo edital 2014 do ProAc na categoria Montagem e Temporada de Espetáculo de Circo.
Para a atriz Fernanda Jannuzzelli, integrante da trupe Dupla Cia. e Mestre em circo-teatro pela Unicamp, a encenação dessas comédias está estritamente ligada à preservação de tal gênero de teatro popular brasileiro. “Seria o resgate de uma tradição que foi esquecida e que não é contada na história oficial do teatro. Trata-se de um gênero ímpar, com características próprias, com enorme potencialidade artística e que formou grandes atores da nossa cena teatral, entre os quais Benjamim de Oliveira, Oscarito, Mazzaropi”, destaca a atriz.
Da mesma forma, Tubinho enxerga a montagem dos dois espetáculos do coletivo como uma rica oportunidade de, além de oferecer ao público uma maneira peculiar de se fazer circo-teatro, entender o fenômeno de popularidade presente nessa teatralidade sob a lona. “O circo-teatro esteve e continua a estar em locais onde o teatro convencional ou o de elite nunca tinha chegado antes. Por isso, há muitos espectadores que tiveram sua primeira ou única experiência teatral por meio do teatro feito em circo. Essa é a grande questão”, pontua o diretor.
A estética – Apesar de não estar abrigada debaixo de uma lona circense, a dobradinha de montagens produzidas pelas trupes de Barão Geraldo mantém a mesma estética do circo-teatro vivenciada pela memória de Tubinho. “Até por opção do grupo, tentei ao máximo manter a vivência que tenho no picadeiro e que me lembro de ter assistido de minha família. Manteremos o tradicional telão pintado ao fundo do cenário, os figurinos e as maquiagens peculiares do circo e, claro, o palhaço de cara pintada como figura central do espetáculo. Toda a trama e as piadas funcionam ao redor dele. Se fosse em uma partida de futebol, ele seria o centroavante que faz o gol. Na cena, esse Palhaço é o responsável por arrematar as piadas”, resume Tubinho. Não à toa, toda a produção (cenário e figurino) está aos cuidados dos artistas do Circo de Teatro Tubinho, trupe itinerante coordenada pelo multiartista desde 2001.
As comédias – Uma questão é lançada ao diretor: quais os elementos que não podem faltar em uma legítima comédia de circo-teatro? Tubinho responde sem pestanejar: o cômico central (palhaço), o galã, o escada (segundo cômico), a ingênua, o vilão, a megera… Por sinal, todas essas figuras ocupam a cena de O Morto Que Não Morreu e de O Machão. “Outro detalhe bastante presente nessas encenações, e que me agradam muito, são os quiproquós. São sempre histórias familiares em que essas personagens vão se entrelaçando por meio de confusões”, destaca o diretor.
A temporada começa com O Morto Que Não Morreu, chanchada tradicional dos picadeiros. Na trama, a plateia acompanha os desesperos de uma palhaça que se vê obrigada a compactuar com a morte ‘de mentirinha’ do patrão. Detalhe: ao contrário do comumente encontrado na cena do picadeiro – o masculino como protagonista –, a releitura do coletivo traz a figura feminina para o centro da lona. “É uma renovação da tradição. Ao mesmo tempo em que bebemos na fonte tradicional, estamos nos reinventando. É justamente na tensão entre o velho e o novo que consiste uma tradição. Ela necessita sofrer transformações para continuar sendo contemporânea, para continuar dialogando com a plateia de cada nova geração”, explica Fernanda Jannuzzelli, que revezará a figura central da Palhaça com a atriz Joana Piza, da Família Burg.
Em compensação, O Machão conduz a plateia às desventuras de um Palhaço obrigado a viver na barra da saia da mulher, que faz questão de controlar todos os passos do marido. “Ele é todo submisso e ela é uma megera. Para piorar a situação, chega o amigo do Palhaço, que é todo ‘baladeiro’, apesar de também ser casado. Juntos, os dois arquitetam um plano para cair na gandaia. A partir disso, cria-se todo um quiproquó”, resume Ivens Burg Cacilhas, da Família Burg, que alternará o papel de protagonista com Ésio Magalhães, do Barracão Teatro. Ao contrário de O Morto Que não Morreu, basicamente pautado pelo improviso dos atores em cena, O Machão tem como norte para a encenação o antigo texto teatral da comédia Ah, se o Anacleto Soubesse.
O diretor – Por ter nascido dentro de uma família circense tradicional, José Amilton França Pereira Júnior, o popular Palhaço Tubinho, carrega no sangue a polivalência dos artistas de picadeiro. Além de palhaço, acumula as habilidades de ator, diretor, dramaturgo, produtor cultural e empresário circense. Desde 2001, está à frente do Circo de Teatro Tubinho – uma trupe circense itinerante –, que traz no repertório mais de 90 espetáculos teatrais, entre comédias, infantis e dramas, como Tubinho, O Rei do Gatilho; Tubinho e a Sua Família na Capital; Tubinho e a Mulher Nota 1.000; Pinocchio; Meu Filho, Minha Vida e Tubinho e as Almas de Outro Mundo.