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Série de livros reconta a história da Campinas Entre Rios, de Sousas, Joaquim Egídio e Carlos Gomes
Capa do primeiro livro da série que contribui com novas perspectivas sobre a história de Campinas

Série de livros reconta a história da Campinas Entre Rios, de Sousas, Joaquim Egídio e Carlos Gomes

José Pedro Martins

Durante muito tempo vigorou, no meio acadêmico e na bibliografia a respeito, a tese de que a cultura do café, responsável pela projeção nacional e internacional de Campinas, teve como protagonistas iniciais empreendedores que vieram do Vale do Paraíba, onde o produto foi introduzido em território paulista no século 18. Uma nova versão, entretanto, é agora fortalecida com a publicação de uma série de livros multiautorais, “Sesmarias, Engenhos e Fazendas – Arraial dos Souzas, Joaquim Egydio, Jaguary – 1792 – 1930″,   lançada recentemente na Unicamp e no próximo dia 11 de junho em São Paulo. A nova leitura da história mostrada nos três livros, que têm seu foco na região que os autores batizaram de Entre Rios, valoriza a atuação de pessoas que vieram das zonas de mineração e, com o capital investido em engenhos de cana, viabilizaram a progressão da cultura cafeeira em Campinas.

De fato, ao mostrar por vários ângulos a evolução econômica, social e cultural da região Entre Rios, a série apresenta   elementos inovadores para a reinterpretação de muitos fatos e para o melhor conhecimento sobre personagens importantes da história campineira. Sob a coordenação da historiadora e fotógrafa Suzana Barretto Ribeiro, a série tem textos assinados por 13 autores, basicamente pesquisadores vinculados à Unicamp e USP e especialistas em suas áreas.

A edição é primorosa, recheada de fotos raríssimas, pertencentes a diversos acervos particulares e até hoje desconhecidas do público em geral. Mapas e ilustrações assinadas por Joaquim Caetano de Lima Filho ajudam na contextualização e melhor entendimento sobre como foi o processo de ocupação da região que hoje configura a Área de Proteção Ambiental (APA) de Campinas.

O lançamento oficial aconteceu na semana passada, na Biblioteca da Biologia da Unicamp. Outro acontece no dia 11 de junho, sábado, entre 14 e 18 horas, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Um lançamento informal já ocorreu em espaço da Sociedade Hípica de Campinas. Um lugar perfeito, uma vez que a série de livros tem seu núcleo na história das fazendas de café, como aquela que deu origem ao clube. A série foi publicada através da Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, com apoio da EMS e PML e assessoria da Direção Cultura.

A historiadora e fotógrafa Suzana Barretto Ribeiro, coordenadora da série de livros (Foto José Pedro Martins)

A historiadora e fotógrafa Suzana Barretto Ribeiro, coordenadora da série de livros (Foto José Pedro Martins)

Entre Rios –  Uma das maiores “sacadas” da série “Sesmarias, Engenhos e Fazendas – Arraial dos Souzas, Joaquim Egydio, Jaguary – 1792 – 1930″ foi denominar a região hoje compreendida pelos distritos de Sousas e Joaquim Egídio e bairro rural de Carlos Gomes como “Entre Rios”. A titulação deriva da localização geográfica privilegiada dessa região, entre os rios Atibaia e Jaguari e afluentes, como o ribeirão das Cabras, todos pertencentes e formadores da bacia do rio Piracicaba.

O destaque para os recursos hídricos da região é compreensível, pois eles foram cruciais, como mostram os autores, para o estabelecimento das sesmarias e, em seguida, dos engenhos de cana-de-açúcar e das fazendas de café. Os rios Atibaia, Jaguari e seus afluentes, lembram os autores, serviram inclusive de marcos divisórios das propriedades rurais.

O eixo central dos livros é justamente a evolução da ocupação do território Entre Rios, começando pela concessão das sesmarias. As sesmarias eram um instituto jurídico adotado por Portugal para a ocupação de terras sob o seu domínio, de modo a organizar a produção de alimentos e garantir a sua posse. A Lei das Sesmarias data de 1375 e esse formato de ocupação de território foi largamente utilizado no Brasil Colônia.

A ocupação da região Entre Rios por sesmarias é destacada no Volume I da série, intitulado “Território – Inventário Arquitetônico – Cotidiano”. A sua delimitação é documentada no texto “Território do Entre Rios: localização cartográfica e georreferenciada das sesmarias”, assinado pelas paleografistas Maria Aparecida Alvin de Camargo Penteado e Maria Teresa Penteado Martini Garcez, a arquiteta Ana Paula Farah e a historiadora Suzana Barretto Ribeiro, com apoio de Daniel Ribeiro, Francisco Giliarde da Silva e Guilherme Oliveira, responsáveis pela cartografia.

Com base em várias fontes, algumas conservadas em locais como o Arquivo do Estado de São Paulo e Centro de Memória da Unicamp, as autoras identificaram a concessão de quatro sesmarias na região Entre Rios, e das quais nasceram posteriormente os engenhos de cana e fazendas de café. Eram as sesmarias de (1) Antônio Raposo da Cunha Leme, (2) do consórcio de Claudio Furquim de Campos, João Monteiro de Oliveira, João Franco, Ângelo Cordeiro, Francisco de Camargo Pimentel, Francisco Xavier da Rocha e José Domingos Rocha, (3) do consórcio de José Fernandes de Almeida, José Barros Fajardo, José Rodrigues Almeida, Joaquim José Rosa e Manuel Rodrigues Barros e (4) do consórcio de Alexandre Barboza de Almeida, João Damasceno Barboza, Antônio Correa Barboza, Barbara Maria de Mattos e Cecília Barboza de Almeida.

Depois da definição dos limites e localização das sesmarias, o volume I trata do “Inventário Arquitetônico dos Engenhos e Fazendas do Arraial dos Souzas, Joaquim Egydio e Jaguary”, conforme artigo assinado pela arquiteta e urbanista Ana Paula Farah, o arquiteto Joaquim Caetano de Lima Filho e a historiadora Suzana Barretto Ribeiro. São inventariados seis engenhos de açúcar, identificados na região do Entre Rios, e 38 fazendas de café.

Mapa de Campinas de 1929 inserido no primeiro volume (Acervo Arquivo Público Municipal de Campinas)

Mapa de Campinas de 1929 inserido no primeiro volume (Acervo Arquivo Público Municipal de Campinas)

A presença dos engenhos de cana em Campinas e região, lembram os autores, foi identificada pelos viajantes estrangeiros que passaram por vários pontos do Brasil e que deixaram narrativas fundamentais para o entendimento da história colonial. Em Campinas, foi o caso do francês Luiz D´Alincourt, que em 1818 citou 60 engenhos, sendo 16 deles do Coronel de Milícias Luis Antônio, o único morador em São Paulo (é o também conhecido como Brigadeiro Luis Antônio de Sousa Queirós, nome de avenida famosa na capital).

O relato de D´Alincourt, citado pelos autores, é claro a respeito da presença em Campinas, no início do século 19, quando ainda se chamava Vila de São Carlos, da cobertura de Mata Atlântica que dominava toda a região: “Apesar do grande número de arrobas de açúcar, que se extraem de Campinas, a cultura deste fertilíssimo e delicioso país deve reputar-se nascente, ainda há léguas e léguas de terreno inteiramente coberto de mato virgem; e o mesmo se vê em muitas sesmarias, que deixam de ser cultivadas, pela falta de forças de seus donos”.

Outro viajante ilustre que deixou suas impressões foi o inglês Edmund Pink, que em 1823 ressaltou: “A cidade de Campinas (situada px ao Rio Atibaia), ou São Carlos, a cujo santo da igreja matriz é dedicada, está situada num pequeno riacho, a pouco mais de uma légua do Rio Atibaia… de tamanho mediano e provavelmente se tornará a mais importante cidade dos distritos açucareiros”.

Também é citada, claro, a impressão de Hercule Florence, sobre a cidade onde viria a residir, depois de encerrada a Expedição Langsdorff. E, também, o relato de um dos mais conhecidos viajantes estrangeiros que circulou pelo Brasil, o também francês Auguste de Saint Hilaire, que testemunhou o predomínio da cultura canavieira, baseada nos engenhos, quando passou pela região: “A cidade de Campinas deve sua origem ao fabrico do assúcar (…) em 1838, existiam noventa e três engenhos de açúcar propriamente ditos, e igual número de usinas de destilação (…) Campinas não é igual em fertilidade ao dos Campos dos Goitacases, é, entretanto, mais fértil do que geralmente o são as regiões de Minas Gerais, em que cultivava a cana-de-açúcar”.

Tendo como um dos subsídios os relatos dos viajantes, os autores  do “Inventário Arquitetônico dos Engenhos e Fazendas do Arraial dos Souzas, Joaquim Egydio e Jaguary” descrevem os elementos e a arquitetura dos engenhos situados na região de Entre Rios, e que seguiam o padrão dos engenhos da época, formados essencialmente por uma casa de morada, a senzala, uma capela, o sobradinho / casa do administrador, a fábrica (moendas e caldeiras), a fornalha e a casa de purgar/destilaria/armazém de açúcar/oficinas de carpinteiros e serralheiros. Os autores fornecem, então, dados sobre os seis engenhos, sendo dois de nome Jaguary e dois de nome Atibaia, o Engenho Caxoeira e o Engenho Nossa Senhora da Conceição do Sertão.

Após as sesmarias e engenhos, vieram as fazendas de café, destacam os autores. “Antigas sesmarias que, no processo histórico, foram subdividindo-se ora pela lei natural de ocupação das terras, ora por apossamento ou venda, com o aumento demográfico e a ampliação das famílias foram desmembradas. Nestas novas unidades agrícolas encontramos mudanças nos modelos de implantação e nas técnicas construtivas. Neste contexto, o desenvolvimento da cultura cafeeira foi introduzido na região dos Entre Rios por descendentes da primeira e segunda geração dos latifundiários Floriano Camargo Penteado, Alexandre Barboza de Almeida, Luis Antônio de Souza e de Luciano Teixeira Nogueira. Em áreas desmembradas, essas gerações irão encontrar condições favoráveis ao desenvolvimento da cafeicultura: clima, altitude, terras de qualidade, assim como o capital necessário para realizar a transição ou mesmo iniciar a produção agrícola”. Os latifundiários citados eram basicamente originários das áreas de mineração em Minas Gerais.

Da mesma forma que fizeram com os engenhos, os autores destacam os elementos organizadores do espaço cafeeiro, nas fazendas constituídas de casas de morada, terreiro, tulha, casa das máquinas, senzalas e colônias (quando passaram a viver e trabalhar nas fazendas a mão-de-obra assalariada, após a Abolição da Escravatura).

Os autores dão, nesse sentido, detalhes construtivos e outros de 38 fazendas, desmembradas das sesmarias originais: (1) Fazendas desmembradas da sesmaria de Antônio da Cunha Raposo Leme – Engenho Nossa Senhora do Sertão/Sítio do Sertão/Fazenda Sertão, Sítio das Cabras/Fazenda das Cabras, Sítio Santa Luzia/Fazenda Santa Luzia, Sítio São Joaquim/Fazenda São Joaquim e Fazendas Boa Vista, Bocaina, Bonfim, Capoeira Grande, Guariroba, Palmeiras, Santa Mônica, São Pedro e Três Pedras.

(2) Fazendas desmembradas da sesmaria do consórcio de Claudio Furquim de Campos e outros: Sítio Cachoeira/Fazenda Laranjal, Sítio São João/Granja Santa Rita/Sítio Santa Rita, Sítio João Aguiaro/Sítio dos Irmãos Gibin/Sítio Marchini, Sítio Boa Esperança ou dos Limas/Fazenda São João, Sítio Soledade/Fazenda Santana do Lapa e Fazendas Cachoeirinha, Riachuelo, São Luciano, Pedregulho, Alpes, Pedras, São Lourenço, Santa Maria e Jaguari.

(3) Fazendas desmembradas da sesmaria do consórcio de José Fernandes de Almeida e outros – Fazenda Atibaia/Fazendinha, Fazenda Atalaia, Fazenda Santo Antônio da Figueira/Fazenda Espírito Santo do Atibaia/Fazenda Espírito Santo, Fazenda Santo Antônio da Mangueira e Fazenda Iracema.

(4) Fazendas desmembradas da sesmaria do consórcio de Alexandre Barboza de Almeida e irmãos – Engenho do Jaguary/Fazenda Santa Úrsula, Fazenda Mato Dentro/Fazenda Santa Rita do Mato Dentro, Fazenda Bom Retiro, Fazenda Recreio, Fazenda Roseira e Fazenda Sete Quedas.

O volume I da série termina com o artigo “Famílias e cotidiano nas casas de morada”, no qual a autora, Suzana Barretto Ribeiro, documenta aspectos do cotidiano das principais famílias proprietárias de terras na região de Entre Rios. A autora destaca a genealogia dessas famílias e comenta os seus hábitos, costumes e cultura, com o apoio de registros fotográficos inéditos até então do grande público, pertencentes em sua grande maioria a acervos particulares.

É o caso de um daguerreotipo de 1857, de fotógrafo anônimo, pertencente à Coleção Dr.Paulo Nogueira Neto e mostra os irmãos Luciano Teixeira Nogueira, Antonio Carlos Nogueira e Ermelindo Pupo Nogueira. Membros de uma das famílias que, originadas de áreas de mineração (os Teixeira Nogueira vieram de Baependi, Minas Gerais),  introduziram a cana-de-açúcar em Campinas e, depois, com o capital acumulado financiaram a progressão da cultura cafeeira.  (Continua amanhã)

 

 

 

 

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