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Década de 1960 da contracultura marca emergência do ecologismo
Manifestação em junho de 2013 no Brasil: sementes lançadas na década de 1960 (Foto Martinho Caires)

Década de 1960 da contracultura marca emergência do ecologismo

Páginas da história ambiental – VI

Por José Pedro Martins

A década de 1960 foi denominada por Herbert Marcuse (1898-1979) como o do momento da “Grande Recusa”. Foi o período em que todos os fundamentos da sociedade industrial ocidental, que tinha se tornado hegemônica pós-Segunda Guerra Mundial, foram colocados em xeque. Dos partidos políticos tradicionais ao machismo igualmente tradicional, do estilo de vida consumista ao militarismo (sintetizado na Guerra do Vietnã), todos os pilares do modelo de desenvolvimento, tal como vinha sendo implementado, foram criticados, nas Universidades, organizações sociais e políticas e até na própria Igreja Católica – a Teologia da Libertação teve grande impulso após a Conferência de Medellín, do episcopado latinoamericano, em 1968. E a década de 1960 foi a da emergência do movimento ecológico ou ambientalista mundial.

Em termos de referência para a Cultura da Sustentabilidade, 1962 é um ano-chave, pela publicação de dois livros essenciais, “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, e “Nosso Entorno Sintético”, de Murray Bookchin. Especialista em zoologia e natural de Springdale, Pensilvania, Carson (1907-1964) fez várias pesquisas sobre os impactos do DDT no meio ambiente e na saúde humana, através de seu fluxo pela cadeia alimentar.

Demorou anos até Carson publicar suas observações, pois o DDT era então considerado inquiestonável. Mas uma mortandade de pássaros em Cape Cod, resultante de uma pulverização com DDT, a motivou a intensificar pesquisas e publicar um livro, afinal lançado em 1962. No capítulo “Uma fábula para amanhã”, a visão de Carson, de uma sociedade sem vida, se continuasse o uso indiscriminado do DDT, provocou grande polêmica na sociedade norteamericana e em todo mundo.

A partir de “Primavera Silenciosa”, o planeta passou a considerar, com mais atenção, os efeitos ambientais e sanitários do uso intensivo de certos produtos químicos, resultantes de certos usos da ciência e tecnologia para certos fins. A cada dez anos, depois de 1962, o ano do livro, seria realizada uma grande conferência global sobre meio ambiente. Coincidência ou não, não deixa de ser bela homenagem a Carson e Bookchin.

Também data de 1962 o livro “Nosso Entorno Sintético”, de Murray Bookchin (1921-2006), um dos líderes da Ecologia Social. Transitou do marxismo e trotskismo ao anarquismo, sendo grande defensor do municipalismo libertário. Outros livros importantes desse grande intelectual norteamericano: “Energia, Ecotecnologia e Ecologia” (1975), “Ecologia da Liberdade” (1982), “Sociobiologia ou Ecologia Social?” (1983) e “Ecologia Profunda & Anarquismo: uma polêmica” (1993). Em “Nosso Entorno Sintético”, publicado antes de “Primavera Silenciosa”, abordou os impactos na saúde humana – incluindo o câncer – derivados do uso inadequado de pesticidas,  raios-x e aditivos químicos alimentares.

Desaparecimento das aves chamou a atenção de Rachel Carson em 1962: hoje as borboletas são  bioindicadores da crise ecológica global (Foto José Pedro Martins)

Desaparecimento das aves chamou a atenção de Rachel Carson em 1962: hoje as borboletas são bioindicadores da crise ecológica global (Foto José Pedro Martins)

 

O período de 1967 a 1972 foi especialmente rico, em publicações a respeito de questões sociais, ambientais e culturais. Em todo planeta, em todos hemisférios e continentes. Estudos científicos, como os “Dilemas da Humanidade”, estimulado pelo Clube de Roma, organização empresarial dedicada a pensar o futuro, e a Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, foram marcos no sentido de criticar os rumos do desenvolvimento, tal como vinha ocorrendo. O esgotamento dos recursos naturais, como resultado da insustentabilidade desse modelo, foi um dos aspecots mais criticados. Mas a temática socio-ambiental também foi discutida em vários outros setores, em interação com a reflexão sobre o movimento feminista, a filosofia, a ação política, o pacifismo.

Foi o primeiro grande momento em que a mídia internacional esteve totalmente aberta para discutir a temática. Depois disso, apenas no cenário da Eco-92 e da divulgação do relatório do IPCC, em fevereiro de 2007, houve tanta abertura da mídia para discutir o desenvolvimento insustentável.

CINCO ANOS MÁGICOS

Alguns fatos foram, realmente, cruciais no mágico período 1967-1972, em que a contracultura esteve diretamente associada à reflexão sobre os rumos econômicos, sociais, culturais e ambientais do planeta.  Rock, Guerra do Vietnã, Che Guevara e guerrilha, Arte Pop, drogas e outros temas integravam o mesmo caleidoscópio que agitou o planeta. Momento em que era “proibido proibir” e que era necessário “sonhar o impossível”. Por que não uma nova sociedade? A seguir, alguns fatos mais relevantes do período.

         1967  – Criação da Ecology Action, por engenheiros em Berkeley, Califórnia. Programa de ação baseado nas premissas: 1) Suprimir as práticas absurdas: novos modelos de automóveis cada ano, o consumo sem medida; 2) Controlar as práticas necessárias, mas potencialmente perigosas: tratamento e distribuição dos alimentos, construção e organização do alojamento, produção e distribuição de energia; 3) Eliminar as práticas destruidoras: a regulamentação social, a cobertura do solo pelo betão, pelo asfalto e pelos edifícios, a disseminação do lixo, as guerras.

1968 –  Abril – Um mês antes do famoso Maio de 68, na França e em outros países, uma reunião envolvendo grandes nomes da indústria, ciência, economia, sociologia, política, cultura e outros setores resulta na criação do Clube de Roma. O encontro acontece na Accademia del Lincel, na capital italiana, uma das instituições de seu gênero mais antiga do planeta. A reunião é realizada sob organização do economista e industrial italiano Aurelio Peccei e do escocês Alexandre King, diretor-geral do Departamento para Assuntos Científicos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

O Clube de Roma e seu esforço para a publicação do relatório “Dilemas da Humanidade” (e, depois, de “Dilemas do Crescimento”) indicam como o setor produtivo esteve, pelo menos desde a década de 1970, com atenções muito voltadas para o esgotamento de recursos naturais.

Tudo isso foi possível pelo ambiente de contestação da década de 1960, a década da contracultura e da emergência de propostas de novos modelos de desenvolvimento, o movimento ecológico e ambientalista entre elas. Muito do que se pensa e se faz no início do século 21 foi de alguma forma plantado na década de 1960.

Manifestação de junho de 2013 em Campinas: ecos do Maio de 68 (Foto Adriano Rosa)

Manifestação de junho de 2013 em Campinas: ecos do Maio de 68 (Foto Adriano Rosa)

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Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.

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