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Fernanda Giannasi, a voz dos expostos ao amianto no Brasil
Evento com apoio do MPT realizado em Campinas (Foto José Pedro Soares Martins)

Fernanda Giannasi, a voz dos expostos ao amianto no Brasil

Ao sediar dois importantes eventos sobre o tema, Campinas se tornou nos últimos três dias na “capital nacional” da luta pelo banimento do amianto, matéria-prima que por suas características cancerígenas já foi abolida em cerca de 70 países. Uma participante estava se sentindo especialmente realizada, e com certeza emocionada, com a materialização de um Seminário Internacional e do Encontro Nacional de Familiares e Vítimas do Amianto. Era Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), uma das grandes responsáveis por dar visibilidade a uma questão que por muito tempo permaneceu na sombra no Brasil. Por tudo o que já fez, Fernanda é a voz dos expostos ao amianto no país.

“É muito bom ver que não estamos mais sozinhos, que instituições importantes estão cada vez mais atentas e atuantes nessa área tão sensível e que pelos interesses envolvidos ficou durante muito tempo escondida”, confessou Fernanda, em pequeno intervalo durante o Seminário Internacional sobre Amianto: uma abordagem sócio-jurídica, realizado nos últimos dias 6 e 7, no The Royal Palm Plaza. Em um dos corredores do hotel famoso por receber importantes eventos, ela se referia aos vários parceiros que se juntaram para a realização do Seminário, que trouxe ao Brasil conferencistas dos Estados Unidos, Itália e Portugal, países onde a luta contra o amianto é histórica.

O Seminário foi promovido pelo Ministério Público do Trabalho e Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT), com apoio da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Escola Judicial do TRT da 15ª Região (de Campinas) e Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). (Sobre o Seminário Internacional e Encontro Nacional, ler aqui e aqui)

Campinas recebeu o evento porque é a sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, onde tramitou acordo extrajudicial firmado com empresas do interior de São Paulo, fabricantes de telhas e caixas d´água, as quais também se comprometeram, em Termo de Ajuste de Conduta (TAC), a encerrar o uso do amianto nos seus processos produtivos até 2017.

“Campinas sempre teve um papel importante, foi um dos primeiros municípios com lei própria de banimento do amianto”, lembra Fernanda, citando a Lei Municipal 10.874, de 10 de julho de 2001, que proíbe a fabricação, estabelece restrições ao uso e comercialização e definiu prazos para banimento de materiais produzidos com qualquer forma de asbesto ou amianto ou de outros minerais ou materiais que os contenham em sua composição, no município de Campinas. “Mas ainda é preciso caminhar muito, ainda existem muitas barreiras”, diz a ativista, que é reconhecida internacionalmente por sua luta e que já recebeu muitas ameaças por sua firme atuação, de mais de três décadas.

Fernanda Giannasi: tirando a luta dos expostos ao amianto do silêncio (Foto José Pedro Martins)

Fernanda Giannasi: tirando a luta dos expostos ao amianto do silêncio (Foto José Pedro Martins)

Histórico de luta – Tudo começou em 1983, logo que a engenheira civil, com especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho, se tornou funcionária do Ministério do Trabalho e Emprego. Não demorou para ela perceber que os operários de plantas industriais que utilizam o amianto em seu processo produtivo não atuavam em condições adequadas. Pelo contrário, os expostos ao amianto não tinham informações sobre os riscos do produto, já alertados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em junho de 1986, a OIT promulgou a Convenção Internacional sobre a Utilização do Asbesto com Segurança, a Convenção 162, que apesar de suas limitações representou um marco na trajetória do questionamento do amianto em esfera mundial (asbesto é sinônimo de amianto). Houve um natural impacto nos espaços de discussão sobre ambiente do trabalho e Fernanda aprofundou sua pesquisa sobre o assunto.

Um salto aconteceu em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 ou Eco-92. Durante o evento, o mais importante já realizado sobre a temática ambiental, a engenheira fez contatos com várias organizações ecologistas, que tratavam em âmbito global de várias causas, como os afetados pelos testes nucleares no Atol de Mururoa, do acidente em Chernobyl e das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. “Começamos diálogos importantes ali e isso foi fundamental para ampliar a visão e articulação”, reconhece a ativista.

Mas as fiscalizações feitas por Fernanda começavam a incomodar e em 1995 ela acabou sendo transferida de São Paulo para Osasco. Era o município onde funcionou uma fábrica da Eternit. Foi o território onde a luta pela visibilidade dos expostos ao amianto apenas cresceu. E, de fato, no dia 9 de dezembro de 1995 foi fundada, em Osasco, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), rapidamente reconhecida como a principal referência no país.

A busca dos funcionários e ex-funcionários afetados pelo amianto cresceu muito a partir da fundação da ABREA e Fernanda Giannasi passou a ser convidada para vários eventos, no Brasil e no exterior. Na Itália, um acolhimento especial, pela luta antiga dos moradores de Casale Monferrato, onde por décadas funcionou uma fábrica da Eternit. A Itália baniu o amianto em 1993. Como um dos reconhecimentos à biografia da brasileira, Fernanda é membro da Academia de Ciências do Mundo do Trabalho da Itália, onde é uma das poucas mulheres e representante única da América Latina. Entre outros prêmios, a ativista já recebeu um em 1999 da Associação Americana de Saúde Pública.

Foram muitas ameaças e pressões contabilizadas, mas a engenheira continuou firme, ajudando a estruturar a ABREA em vários estados e nas discussões que já levaram a leis estaduais e municipais de proibição do amianto. Em fevereiro de 2016, uma outra vitória registrada, com a decisão da Justiça favorável a ex-trabalhadores da Eternit em Osasco. A empresa foi condenada a pagar indenizações milionárias, conforme decisão sobre duas ações que foram unificadas, uma do Ministério Público do Trabalho e outra da própria ABREA.

“Eu me sinto muito feliz, com a missão cumprida, porque vejo que não é uma luta mais solitária. Antes tínhamos todos os ônus e bônus, mas agora vemos a atuação cada vez maior de parceiros no Ministério Público, na Justiça do Trabalho e principalmente entre os trabalhadores, na sociedade civil. O silêncio epidemiológico em torno do amianto está acabando. São muitas histórias de trabalhadores que estavam invisíveis, escondidas, e agora são conhecidas e reconhecidas. Isso é o mais importante”, conclui a engenheira. Depois de rapidamente consumir um sanduíche, ela volta ao salão onde prossegue a discussão sobre estado atual e o futuro da luta contra o amianto. A energia de Fernanda Giannasi é inesgotável. (Por José Pedro Martins) 

 

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