Por José Pedro Martins
A região de Campinas, localizada nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), sofrerá um grande golpe se for atendida a solicitação da Sabesp, de que seja de 30 anos o período da nova outorga para que a empresa estatal continue gerenciando o Sistema Cantareira. As negociações em torno da nova outorga estão ocorrendo de forma dura e a sete chaves, nos bastidores, no momento em que o cenário político é conturbado por pedidos de impeachment da presidente da República. Se a pretensão da Sabesp for aceita, a qualidade de vida e o processo de desenvolvimento da região de Campinas e do conjunto de 70 municípios das bacias PCJ estarão comprometidos e, por três décadas, dependentes do que ocorrer com o abastecimento da Grande São Paulo.
Termina no dia 31 de outubro o prazo estipulado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) de São Paulo para que seja concedida essa nova outorga, ou autorização, para a Sabesp operar o Cantareira. O Sistema começou a funcionar em 1974 e a primeira outorga durou 30 anos. Após muita luta e mobilização regional, uma nova outorga foi concedida, em 2004, pelo prazo de 10 anos. Uma outorga novamente de 30 anos, como deseja a Sabesp, seria portanto um grave retrocesso institucional. O Cantareira é alimentado por 31 mil litros por segundo, ou 31 metros cúbicos por segundo, de águas exportadas da bacia do rio Piracicaba.
Pelos termos da outorga de 2004, a Sabesp se comprometeu a uma série de medidas, como a redução da dependência da Grande São Paulo do Cantareira, de modo que a região de Campinas, localizada na bacia do rio Piracicaba (de onde saem as águas para alimentar o Cantareira), tivesse maior liberação de águas pelo conjunto de reservatórios que compõem o Sistema. Grande parte desses condicionantes não foi cumprida, e o Cantareira entrou em grande crise, entre 2013 e 2014, coincidindo com a grave estiagem na Região Sudeste.
Em função do momento crítico de 2014, a concessão de nova outorga foi adiada, e o calendário estipulado pela ANA e DAEE indica o dia 31 de outubro próximo como a data fatal para a renovação ou não dessa outorga. Lembrando que, desde maio de 2014, o Sistema Cantareira opera a partir do chamado Volume Morto.
No dia 30 de abril de 2015, a Sabesp encaminhou oficialmente o pedido de renovação da outorga do Sistema Cantareira. O prazo de 30 anos é indicado no sub-ítem 2.2.2., referente aos “Valores futuros: previsão para”, seguindo-se as opções “5 anos”, “10 anos” e “30 anos”.
O calendário estipulado pela ANA e DAEE indica que até o dia 14 de agosto essas instituições irão receber as propostas sobre a renovação da outorga elaboradas pelos entes do sistema, ou seja, os Comitês das Bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e do Alto Tietê, além do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e da Sabesp. Na terceira e última etapa, até 18 de setembro, será feita a apresentação de uma proposta guia para o processo final de discussão entre os entes do sistema. A renovação da outorga deve ser concluída até 31 de outubro.
A proposta oficial das bacias PCJ está sendo discutida nos respectivos Comitês. No dia 12 de agosto, os Comitês PCJ vão se reunir em plenário, para discutir e aprovar a proposta que será apresentada à ANA e DAEE. Espera-se que esta proposta de fato atenda às demandas históricas e atuais da região, que desde o início da operação do Cantareira vem sentindo os impactos do Sistema construído para garantir o abastecimento da Grande São Paulo.
Uma outorga de 30 anos para a Sabesp representaria um completo engessamento para o desenvolvimento na região de Campinas e em todo o território das bacias PCJ. Há anos a região já sofre com restrições e muitas empresas já saíram ou não puderam se instalar nas bacias PCJ, em razão da escassez hídrica. Nos períodos de inverno, a disponibilidade de água nas bacias PCJ é de cerca de 400 m3 por habitante/ano, valor equivalente ao de países secos da África.
Pedido polêmico
A proposta de renovação a outorga do Cantareira, encaminhada pela Sabesp para o DAEE e ANA, provoca polêmica. Em 2013, a proposta original da Sabesp para a nova outorga do Cantareira (que deveria acontecer em 2014) era considerando uma produção de água pelo Sistema de 40 metros cúbicos por segundo, ou 40 mil litros de água por segundo.
A outorga de 2014 não aconteceu, em função da crise hídrica, sendo adiada para 2015. Agora a Sabesp pede uma outorga considerando uma produção de água de 36 m3/s, já refletindo o impacto da forte estiagem de 2014.
O professor Antonio Carlos Zuffo, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, entende que a nova outorga deveria considerar uma produção de água abaixo dos 36 m3/s. “Estamos entrando em um período de anos mais secos, com uma queda na média de chuvas de 20 a 30%. Portanto, o Cantareira tende a não produzir 36 metros cúbicos por segundo”, defende o especialista.
O professor Zuffo entende que a metodologia de operação do Cantareira deve considerar a média seca de 2014 e não mais a média anterior, de 1953-54, que era o período mais seco até então em termos de abastecimento da Grande São Paulo. Para efeito estatístico, deveria ser então considerado o período mais recente, que foi mais seco, tornando mais restritivo o uso do Cantareira, nota o especialista.
Barragens em Pedreira e Amparo
Um dos ingredientes polêmicos da discussão em torno da renovação ou não da outorga do Sistema Canteiro é o projeto de construção de duas barragens, em Pedreira e Amparo, como mais uma fonte de abastecimento nas bacias PCJ. Os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (Eia-Rima) sobre as duas barragens já foram protocolados na Cetesb, a agência ambiental paulista.
As duas barragens, de Duas Pontes, no rio Camanducaia, no município de Amparo, e de Pedreira, no rio Jaguari, na divisa dos municípios de Pedreira e Campinas, representariam uma disponibilidade a mais de 6,5 mil litros por segundo, ou 6,5 metros cúbicos por segundo, de água, em média, para abastecimento na região de Campinas, no conjunto das bacias PCJ. Já foi contratado, pelo DAEE, o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental do sistema adutor necessário para levar a água das duas barragens para os municípios da região.
Apesar da vinculação com o abastecimento de água, a origem das duas barragens está na ampliação da Refinaria de Paulínia. As duas barragens ficariam prontas em mais de três anos, não tendo, portanto, impacto a curto prazo no equacionamento da crise hídrica na região de Campinas. As duas barragens inundariam áreas de Campinas, Pedreira e Amparo, somando o equivalente a 574 hectares, ou 574 campos de futebol.